A comédia de Gene Wilder, escrita, dirigida e protagonizada pelo artista, começa numa atrapalhada cena do servil homem no Palácio de Buckingham, em 1891, ano em que o “detetive imortal” pereceu segundo o original O Problema Final. Como o detetive de Baker Street (Douglas Wilmer) – apresentado numa cena hilária, para logo após sair do filme travestido de mulher –, tem de se ausentar, encarrega seu irmão mais moço de resolver os casos mais urgentes. Sigerson Holmes sempre vivera à sombra do irmão mais famoso.
O 1° longa dirigido por Wilder traz uma versão jocosa do mito Sherlock Holmes, com pastiches à maneira da sua comédia, tomando emprestado o humor típico de sua filmografia, especialmente nas parcerias com Mel Brooks. O teatro de absurdos presentes no filme é vasto: uma máquina de esgrima que é acionada com o pedalar da bicicleta; trechos inteiros cantados como em um musical; um padre eletrônico no covil do vilão movido a moedas; uma batalha acima de uma carruagem onde os agressores se municiam de luvas e sapatos gigantes etc. A forma do comicidade é notadamente a tentativa de um norte-americano emular o nonsense do humor inglês.
Sigerson tem o seu próprio Watson, o Sg. Orville Stanley, maravilhosamente executado por Marty Feldman, e também possui uma Irene Adler às avessas, com Madeline Kahn fazendo sua Jenny Hill. As piadas do roteiro são pontuais e fazem muito sentido para quem conhece a história do detetive e a obra de A. Conan Doyle, inclusive no comportamento do protagonista, completamente desligado, só encontrando as pistas quando elas lhe caem no colo – o total avesso do investigador completo que é o Holmes clássico. Sigerson é um Sherlock cru, impulsivo e desatento ao extremo, ignora o óbvio de uma forma extremamente atrapalhada, quase sempre sendo superado por seu auxiliar Mr. Stanley. O humor físico de Gene Wilder cabe muito bem à trama e maximiza a inabilidade do caçula Holmes.
A meia hora final perde um pouco do ritmo: as piadas se repetem muito e parecem estar na esteira das primeiras. O quadro melhora substancialmente com as reaparições de Madeline Kahn e seu belíssimo semblante, além, é claro, de sua portentosa voz. Os momentos de perseguição em meio à execução de uma ópera tem um tom de inacreditável e inescrutável absurdo, e mesmo com tudo isso o show não para.
O quarto onde se armazenam os manequins, bonecos e apetrechos do teatro é por si só um lugar amedrontador, e o duelo de espadas entre Sigerson e Moriarty (Leo McKern) é bem filmada, emulando os duelos dos filmes de Errol Flynn de uma forma debochada. O irmão famoso estava o tempo todo à espreita, incógnito, auxiliando o protagonista, prestando a ele uma distração em seu momento de maior melancolia. Apesar da crueza na direção – a qual melhoraria com o passar dos anos –, Gene Wilder tem uma atuação bastante à vontade, sem amarra nenhuma. Seu talento humorístico funciona muito mais assim. A medida entre a liberdade artística e o respeito à obra original é perfeita, pois não há nenhum excesso na película absolutamente execrável, pelo contrário, esta obra só enriquece o mito de Doyle.