A família Logan têm uma maldição (metafórica, no filme) de se ferrar em tudo o que fazem para melhorar de vida, alocados em um sistema frustrante chamado capitalismo e que usa de meritocracia para ser o mais deliberadamente exclusivista possível. A saber, esse quadro sociopolítico rende boas tramas desde muito tempo, como a família que abandona tudo em busca de algo melhor em As Vinhas da Ira; só que o ano era 1940, e o demônio chamado Grande Depressão ainda rondava todas as veias de uma gente desesperada, e as veredas de um país nada menos do que continental.
Há sim um paralelo situacional a se fazer, aqui, uma vez que tal desespero atemporal ainda volta a nos assombrar na nossa tão sonhada estabilidade financeira a cada nova crise, a cada novo impacto a favor de poucos e ao custo de muitos, sendo que a frustração nessa parcela maior do povo combina de ser a mesma do que já foi, a quase cem anos atrás. O irônico mesmo no filme de Steven Soderbergh, um dos melhores diretores americanos em atividade, junto de James Gray e Quentin Tarantino, é que os Logan não são “exatamente” aquela gente de bem do filme de John Ford…
Quem pode dizer que os dois irmãos (Adam Driver e Channing Tatum) e alguns amigos não estavam curtindo ser os Robin Hood’s deles mesmos, roubando toda a grana que circula no subsolo de uma prestigiada corrida de carros para finalmente viverem bem e, no fundo, vingarem o sistema que os limita? Dramatizando e ironizando uma falta de opções simbolicamente destacada pela falta do braço esquerdo de um dos irmãos, veterano de guerra e que volta para os Estados Unidos numa pequena comunidade para ser pobre, amargurado e para trabalhar sendo deficiente físico num boteco cheio de problemas, Logan Lucky: Roubo em Família faz o que cada filmografia nacional pode fazer, representando de formas verídicas (ou não) a cultura e os trejeitos, os sotaques e os valores da sua população em determinada situação, ou período histórico.
Tudo bem que Soderbergh não é um Sean Baker para retratar a realidade social do seu país da maneira mais hipnoticamente informal possível, mas desde antes do premiado Traffic: Ninguém Sai Limpo, o cara representa tão bem o povo americano ordinário nas telas que é impossível não se identificar, se divertir e tomar apreço pelos irmãos que, dada a astúcia e ousadia empregada nesse assalto mirabolante (um dos envolvidos escapa da prisão, comete o roubo e volta para a enfermaria da penitenciária em menos de 24 horas, sem que ninguém note sua falta), eles não devem em nada àquela turma de ladrões de Onze Homens e Um Segredo. Aliás, os Logan fazem mais, com menos.
E, por mais que seja um filme de missão mesmo (não tão impossível assim) e estruturado no belo roteiro de Rebecca Blunt para resultar num clímax ou numa possível reviravolta para o sentido geral da história de relações familiares contraditórias, o que talvez dê ao filme a alcunha de ‘dramédia’, Logan Lucky: Roubo em Família é mesmo uma vitrine de boas atuações, algumas surpreendentes, como as do próprio Tatum, incorporando o cansaço, a amargura e parte da brutalidade do cara que só serve para ser pisado (literalmente) pelos outros, e de um Daniel Craig inspiradíssimo e sem glamour nenhum que Soderbergh botou pra atuar de verdade, assim como os Irmãos Coen, Martin Scorsese e outros mestres que retiram o melhor dos seus atores.
Uma obra sobre o a relação entre o sistema e o cidadão comum, sempre desafiado e que se sente rebaixado pelo mesmo, e que nas piores condições decide enfrentá-lo como pode, dando o troco nos de cima da pirâmide. É claro que os Logan e seus comparsas vão se ferrar, mas ao final, o que vale é o que se faz (e como tudo se desenrola) nessa peripécia bem-humorada entre família e amigos. Desde já, um dos melhores do seu diretor, e segue sendo contemporâneo e sóbrio ao mesmo tempo, feito o ótimo A Qualquer Custo, de 2016. Filmes cujos cenários são praticamente o mesmo, dividindo uma mesma moralidade e um senso de realismo cinematográfico muito parecidos, inclusive.