Co-produção Brasil / Argentina, Mate-Me Por Favor apresenta a depressão típica de muitos dos frequentadores de baladas, que vêem na solidão o único consolo para a miséria em que vivem. Tal aspecto serve de despiste, um misto de ponto de partida e válvula de escape para a real intenção do longa-metragem de estréia de Anita Rocha da Silveira, que investiga uma série de assassinatos, com um curioso padrão.
A câmera logo segue a trajetória de Bia, vivida por Valentina Herzsage, uma menina nova, no começo de sua puberdade. A trama desenvolve as descobertas de sua sexualidade, além de demonstrar também a intimidade dela e de suas amigas, moças cuja beleza jovial se situam no despertar da libido. Os diálogos entre elas são superficiais, bem ao estilo dos filmes de terror slasher, ainda que a atmosfera e o conjunto de diálogos seja tipicamente brasileiros com manifestações intimamente ligadas a cultura nacional.
O desejo latente do grupo de meninas é compreender como funciona o próprio corpo e seus desejos. Quase todas as conversas envolvem homens e tem um forte apelo de sedução. Mesmo os assuntos “proibitivos” ocorrem ao redor dos assassinatos da trama, revelando um desejo intenso por relações carnais. Para Bia, as discussões são diferentes, até por ter um parceiro sexual fixo. A todo momento a menina revela uma curiosidade mórbida ao se inteirar sobre as mortes que ocorrem pelas redondezas da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, quadro que vai evoluindo com o decorrer da trama, tornando-se mais uma de suas obsessões.
Há uma miscelânea de influências em Beatriz e suas amigas, desde a predileção pelo música, usando o funk carioca como destaque até a ligação com a religião, aludindo de um modo debochado às igrejas evangélicas “modernas” que tomaram as ruas do Rio de Janeiro em um passado recente, com mensagens que se distanciam do modo retrogrado normalmente associado a prática da crença, envernizando o conceito através de uma falsa liberdade mas que ainda castra seus fiéis de mentalidade fraca e ingênua.
Mesmo com o dogma religioso, a sexualidade não é suprimida da vida de nenhuma personagem. Ao contrário, o mergulho mental nos eventos violentos se aprofunda ainda mais , piorando quando encontram uma das vítimas dos assassinatos. A tentativa de salvá-faz a protagonista se inserir em seu lugar, imaginando-se vítima de uma violência sexual.
Há em Bia uma semelhança mórbida com as personagens de Breaton Easton Ellis, não no sentido da futilidade por vias de riqueza financeira, mas sim pela falta de amor próprio, em uma manifestação de misantropia que ocorre a partir da baixa auto estima, da vontade de se ferir e do desejo irreversível de não mais existir. O anseio da adolescente é alcançar a mesma tranquilidade estampada no rosto dos mortos, passando também pelos momentos de agonia pelos quais os vitimados passaram, como se ansiasse pela dor. As longas caminhadas solitárias e sem rumo à espera do nada, revela o desejo pelo ato mau, pela chaga que atingiu as mulheres mortas, buscando de maneira intensa a sensação que outras tiveram.
O cuidado da direção de Anita em retratar uma face pouco explorada da sociopatia é enorme e empática. Mesmo retratando desejos pouco usuais, não é difícil sentir-se no lugar de Bia, graças principalmente aos closes dados nos rostos das garotas, revelando hematomas, marcas e desejos incontidos, no olhar e boca de suas personagens. As expressões de Valentina Herzsage servem de prenúncio de quaisquer manifestações de libido. O modo como Silveira termina seu filme é hermético, como um chamado ao desejo e a descoberta da identidade do jovem, através do ímpeto carnal e pela auto destruição de um modo experimental e infelizmente poucas vezes realizado no Brasil.