Não é de hoje que a Netflix se importa muito mais com as premissas de suas séries e filmes, ou com a quantidade industrial dos lançamentos mensais (mantendo e atraindo novos assinantes para quase sempre assistirem “mais do mesmo”), do que com a longevidade e a excelência da maioria dos seus produtos finais. Noite de Lobos, além de ser o exemplo perfeito disso, pode ser apenas mais um filme de suspense aos usuários da plataforma de conteúdo que não se decidem o que assistir, diante de tantas opções tão banais quanto essa, mas também foi pura expectativa baseada no que de bom o seu cineasta, o jovem Jeremy Saulnier, já provou saber fazer com uma câmera na mão, e uma ideia na cabeça, praticamente sendo, cedo demais, um frescor para a produção genérica hollywoodiana de jumpscares, e outros vícios de linguagem.
Contudo, em 2018, além de não conseguir repetir nem de longe, ou sequer encontrar novas versões de boa parte dos méritos que fizeram o seu ótimo Sala Verde (péssimo título em português), de 2015, ser um dos suspenses mais aclamados e freneticamente macabros dos últimos anos – e com total razão –, Saulnier constrói um projeto de filme, sisudo e incoerente quase que ao extremo, e que tenta nos seduzir com doses cavalares de tédio e surrealismo pessimamente construído, revestindo o desabrochar de uma trama sem pé nem cabeça impossível de engolir, quanto mais de refletir-se sobre. Fato é que o que começa sendo A, termina sendo Z, num alfabeto desconhecido e que nem ao menos consegue manter o nosso interesse para desejarmos decifrá-lo.
Em Noite de Lobos, somos apresentados rapidamente ao drama inconsolável de uma mãe que perdeu seu filho na imensidão do Alasca. Nisso, crente de ter sido levado pelos lobos da região inóspita, ela contrata um caçador para recuperar pelo menos o cadáver do garoto e dar fim na matilha que o raptou, as vésperas do retorno do seu marido direto da guerra no Iraque, profundamente afetado pelo o que passou. Tal dilema certamente provoca um choque de animosidade entre os dois, potencializado pelas duras experiências de vida de ambos os homens, ambos à procura da mesma coisa, e em especial pela situação desumana e gélida na qual eles se encontram naquele fim de mundo – local esse mostrado com muito mais habilidade, beleza e perspicácia no subestimado A Perseguição, de 2012.
Logo, percebemos que o verdadeiro perigo não está nos lobos, criaturas sanguinárias e onipresentes que encaram esse recantos da Terra como o quintal de sua casa, e sim neles mesmos, graças a condição desoladora tanto do rapto do menino, quanto da vastidão sem leis que o Alasca proporciona aos seus exploradores. A verdadeira frieza, portanto, está nos homens e na suas relações entre seus semelhantes e com o ambiente ao redor, frieza essa pobremente metaforizada nos próprios animais selvagens que apenas seguem os seus instintos primitivos, sozinhos ou em bando, tal qual o bicho homem em determinadas ocasiões. Ideias batidas mas que sob a execução certa fariam vir à tona uma boa obra de sobrevivência local, uma vez que a sensação de mediocridade aqui nos assombra do começo ao fim, tal uma irritante constante narrativa.
Como numa legítima produção com o selo Netflix, a premissa carrega em si as melhores intenções do mundo, tendo na sua longa e mórbida realização o verdadeiro oposto qualitativo que esperamos de um bom filme. Sisudo e amplamente incoerente (como já foi taxado aqui, sendo este o seu principal aspecto), o filme de Saulnier se mostra sério, quase um cult mas que se esforça para ser sombrio e instigante, e que por não se decidir entre o que é, e o que poderia ser, falha miseravelmente. O roteiro e sua direção transformam tudo numa salada irracional de subtramas estapafúrdias, e logo perdemos o interesse em cada uma das personagens, assim como suas motivações mais básicas. Eis um dos filmes mais insossos de 2018. Uma pena.