Tag: Jeremy Saulnier

  • Crítica | Ruína Azul

    Crítica | Ruína Azul

    Segundo longa de Jeremy Saulnier, Ruína Azul não chegou a ser exibido nos cinemas brasileiros e isso obviamente influenciou no fato do filme ser pouco conhecido do grande público. Lançado em 2013, a história começa mostrando um homem (Macon Blair, que já havia feito Festa Assassina com o diretor) que acaba de acordar, sai pela janela ao perceber que aquela não é sua casa e foge. Meio sem rumo, ele recebe uma má notícia e é obrigado a sair da letargia de sua rotina insossa.

    O nome do sujeito é Dwight, e ele resolve fazer justiça com as próprias mãos, mas o fracasso que é sua vida pessoal se reflete na tentativa violenta que ele tem de fazer justiça. Ele erra mais do que acerta, e não demora para ter que mudar completamente seu visual, tornando-se irreconhecível. Suas tentativas de tornar-se um canal de violência passa por percalços. Ele se atrapalha, se fere a todo momento e lida muito mal com os próprios ferimentos provenientes dessas ações. O personagem geme alto quando mexe em seu ferimento – mais parecendo uma colegial ao tentar fazer curativos em seus machucados –, desmaia no hospital antes de entregar seus documentos, etc. O retrato do fracasso.

    Ao contrário de seu filme anterior, Saulnier não demora a dar vazão a agressividade. Nos primeiros momentos já existem cenas de perseguição e violência, com uma diferença básica, que troca a ironia munida de armas brancas de Festa Assassina, pelos tiros de armas de fogo, repletos de um sentimento de auto-comiseração que possui o personagem central.

    Apesar de violento, o longa passa um tempo considerável sem ter outra morte, o hiato dura mais de 40 minutos, e envolve o esquisito reencontro de Dwight com seu antigo amigo Ben Gaffney (Devin Ratray), que basicamente resolve ajuda-lo a conseguir viver mais alguns dias, para novamente fracassar como anjo vingador.

    Ruína Azul é uma clara evolução da carreira de Saulnier, que sofistica sua visão de cinema, lidando muito bem com um orçamento um pouco mais pomposo, apresentando cenas mais violentas graficamente, mas não possui o mesmo efeito surpresa do filme de estreia do diretor, ainda que continue poetizando sobre entes violentos e fracassados de maneira inteligente e sensível, munido de um humor ácido típico.

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  • Crítica | Festa Assassina

    Crítica | Festa Assassina

    Longa de estreia de Jeremy Saulnier, Festa Assassina inicia com uma estranha música instrumental de fundo, nas imagens aparecem preparativos para as festas de Halloween, com enfeites pela cidade, gente preparando guloseimas e pessoas alugando VHS de terror.

    Chistopher S. Hawley (Chris Sharp) é um homem solitário, que depois de passar na locadora para pegar algumas fitas, acaba encontrando um convite para uma festa, de mesmo nome que o filme, e apesar da curiosidade ele segue até em casa, onde percebe que a abóbora que ficava na sua porta foi pisoteada. Isso poderia ser um sinal de mal agouro, mas em se tratando de um sujeito com baixa auto estima, tímido, e que não tem moral sequer com seu gato, ter um pouco de azar talvez não seja nada.

    Depois de se despedir de Lancelot (o gato que mora em sua casa) e preparar uma armadura com papelão e fita, além de um doce com uvas, ele decide ir a Rua Shore. Ele é sempre preocupado e arredio, chega em um local cheio de gente estranha fantasiada, em um armazém cujo único cômodo a mostra está cheio de machados e martelos, além é claro das péssimas intenções de quem está lá dentro.

    Cenários, fotografias e atuações gritam o caráter do filme e denunciam que ele é um produto barato, feito com poucos recursos, e até o roteiro mostra que não há muito construção narrativa das situações. Os maniacos que recebem Chris. Os personagens não planejam nada, e mesmo antes de começar a maltratar e torturar o sujeito, um deles consegue matar a si mesmo, e da forma mais imbecil possível.

    Nenhum dos atores é famoso, mas ao que se propõe a maioria serve muito bem, que é causar asco no espectador e impedir que haja torcida para qualquer um deles, até porque são fracassados, homens e mulheres que se reúnem para filmar um assassinato e que são incapazes de falar de forma sincera um para outro sem fazer uso de drogas como o famigerado soro da verdade. A empreitada não tem sucesso, basicamente porque ninguém sabe o que faz.

    Próximo dos vinte minutos finais o filme dá uma guinada rumo ao gore extremo, e os personagens passam a se canibalizar (não literalmente), há tiros, gente queimada, uso de machados, assassinos despertando entre quem menos se espera, e as lacerações e amputações são mostrados de maneira engraçada e chocante, sendo algumas dessas uma mistura de ambos aspectos.

    Os efeitos práticos são de encher os olhos, Saulnier capricha demais nas ultimas mortes e apresenta um banho de sangue digno dos filmes de terror italianos exploitation, com bonecos mecatrônicos hiper realistas que funcionam a perfeição e uma maquiagem de ferimento também excelente. Apesar do roteiro repleto de clichês, o desfecho de Festa Assassina encerra o ciclo de modo semelhante ao seu início, com alguma evolução para seu personagem principal, mas ainda assim um destino trágico ao sujeito que só queria conhecer pessoas novas, encerrando seus momentos com um clima de desolação e ode a misantropia.

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  • Crítica | Noite de Lobos

    Crítica | Noite de Lobos

    Não é de hoje que a Netflix se importa muito mais com as premissas de suas séries e filmes, ou com a quantidade industrial dos lançamentos mensais (mantendo e atraindo novos assinantes para quase sempre assistirem “mais do mesmo”), do que com a longevidade e a excelência da maioria dos seus produtos finais. Noite de Lobos, além de ser o exemplo perfeito disso, pode ser apenas mais um filme de suspense aos usuários da plataforma de conteúdo que não se decidem o que assistir, diante de tantas opções tão banais quanto essa, mas também foi pura expectativa baseada no que de bom o seu cineasta, o jovem Jeremy Saulnier, já provou saber fazer com uma câmera na mão, e uma ideia na cabeça, praticamente sendo, cedo demais, um frescor para a produção genérica hollywoodiana de jumpscares, e outros vícios de linguagem.

    Contudo, em 2018, além de não conseguir repetir nem de longe, ou sequer encontrar novas versões de boa parte dos méritos que fizeram o seu ótimo Sala Verde (péssimo título em português), de 2015, ser um dos suspenses mais aclamados e freneticamente macabros dos últimos anos – e com total razão –, Saulnier constrói um projeto de filme, sisudo e incoerente quase que ao extremo, e que tenta nos seduzir com doses cavalares de tédio e surrealismo pessimamente construído, revestindo o desabrochar de uma trama sem pé nem cabeça impossível de engolir, quanto mais de refletir-se sobre. Fato é que o que começa sendo A, termina sendo Z, num alfabeto desconhecido e que nem ao menos consegue manter o nosso interesse para desejarmos decifrá-lo.

    Em Noite de Lobos, somos apresentados rapidamente ao drama inconsolável de uma mãe que perdeu seu filho na imensidão do Alasca. Nisso, crente de ter sido levado pelos lobos da região inóspita, ela contrata um caçador para recuperar pelo menos o cadáver do garoto e dar fim na matilha que o raptou, as vésperas do retorno do seu marido direto da guerra no Iraque, profundamente afetado pelo o que passou. Tal dilema certamente provoca um choque de animosidade entre os dois, potencializado pelas duras experiências de vida de ambos os homens, ambos à procura da mesma coisa, e em especial pela situação desumana e gélida na qual eles se encontram naquele fim de mundo – local esse mostrado com muito mais habilidade, beleza e perspicácia no subestimado A Perseguição, de 2012.

    Logo, percebemos que o verdadeiro perigo não está nos lobos, criaturas sanguinárias e onipresentes que encaram esse recantos da Terra como o quintal de sua casa, e sim neles mesmos, graças a condição desoladora tanto do rapto do menino, quanto da vastidão sem leis que o Alasca proporciona aos seus exploradores. A verdadeira frieza, portanto, está nos homens e na suas relações entre seus semelhantes e com o ambiente ao redor, frieza essa pobremente metaforizada nos próprios animais selvagens que apenas seguem os seus instintos primitivos, sozinhos ou em bando, tal qual o bicho homem em determinadas ocasiões. Ideias batidas mas que sob a execução certa fariam vir à tona uma boa obra de sobrevivência local, uma vez que a sensação de mediocridade aqui nos assombra do começo ao fim, tal uma irritante constante narrativa.

    Como numa legítima produção com o selo Netflix, a premissa carrega em si as melhores intenções do mundo, tendo na sua longa e mórbida realização o verdadeiro oposto qualitativo que esperamos de um bom filme. Sisudo e amplamente incoerente (como já foi taxado aqui, sendo este o seu principal aspecto), o filme de Saulnier se mostra sério, quase um cult mas que se esforça para ser sombrio e instigante, e que por não se decidir entre o que é, e o que poderia ser, falha miseravelmente. O roteiro e sua direção transformam tudo numa salada irracional de subtramas estapafúrdias, e logo perdemos o interesse em cada uma das personagens, assim como suas motivações mais básicas. Eis um dos filmes mais insossos de 2018. Uma pena.

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  • Crítica | Green Room

    Crítica | Green Room

    Green Room 1

    Ainda seguindo o estilo rústico de seu filme anterior, Blue Ruin, Jeremy Saulnier acrescenta uma aura de popularidade a Green Room, que faz de seu modesto terror um longa carismático. O elenco, recheado de atores famosos, faz acreditar que a superficialidade e docilidade seriam a tônica do argumento, evidentemente como um longo e interessante despiste.

    The Ain’t Rights é uma banda de punk rock formada por jovens que tencionam apresentar uma rebeldia típica das poses de Sid Vicious e Joe Strummer, mas que na verdade escondem uma atitude ordeira, normativa e mantenedora do status quo. Após o fracasso de público da turnê, os rapazes decidem fazer um último show, em Oregon, “terreno” de nazistas e skinheads, que são brutalmente confrontados por eles já na primeira música que desautorizava o extremismo racista ideológico.

    Curiosamente, a elevação de patamar em relação à quantidade de público faz a banda aproximar-se de atitudes mais extremas. O quinteto adentra em uma trama que resume finalmente o real chamado à aventura, resultando na construção inicial em um mcguffin, como visto no clássico Um Drink no Inferno, inclusive reprisando os bons momentos do filme de Robert Rodriguez e Quentin Tarantino.

    Green Room 3

    A desventura troca o gore comum e típico desse subgênero de filmes por outros aspectos escatológicos, evidenciando ambientes sujos, pouco iluminados, repletos de lodo e sangue, características que emulam o caráter dos antagonistas, que bolam um cerco para encobrir seus pecados.

    O elenco de astros Anton Yelchin (Pat, o baixista e principal liderança entre os musicistas), Imogen Poots (Amber), Alia Shawkat, Joe Cole e Patrick Stewart serve basicamente para aumentar a simpatia pelo filme. Ainda que em posição agradável do ponto de vista dramatúrgico, o casting é bem subalterno em relação à trama anárquica, reféns de um acaso que suprime qualquer frieza e fúria assassina previamente estabelecida.

    O lema comum ao punk rock, o Do It Yourself, é posto em prática de maneira violenta e extrema, se valendo de lâminas, improvisos e ameaças para ser executado. A guerra improvisada que se estabelece só se torna crível – apesar dos claros absurdos – graças à morte extremamente comum de seus personagens, os quais também são bastante comuns, exceção feita a Amber, que está lá exatamente para ser o contraponto seguro e frio das pessoas despreparadas, fúteis e desesperadas do grupo, evocando um possível passado misterioso e de natureza tão parecida quanto a do bando de Darcy (Stewart).

    Green Room consegue apresentar muito, mesmo em pouco tempo de tela e de exposição de seus personagens, compensando com situações insanas bem urdidas e cenas excelentes, fruto da experiência de Saunier em retratar programas televisivos e reais, e com urgência tão grave quanto a obra cinematográfica exige.