O objeto que faz com que Jim Graham se separe dos seus pais, no meio de uma confusão nas ruas de Xangai, e tenha eternamente sua vida alterada no auge da Segunda Guerra Mundial, é belo e simbólico por natureza. E não tinha como não ser, pois, para recuperar sua miniatura de avião militar que deixou cair, entre milhares de chineses desesperados a fugir de tanques japoneses intimidadores durante a dominação que o Japão exerceu no país, nos anos 1940, o jovem Jim, de apenas onze anos, larga da mão da sua mãe, empurrada para longe pela multidão barulhenta de civis. Se em qualquer lugar a guerra afeta os mais pobres, primeiro, ou somente eles, a burguesa família Graham sente na pele os efeitos do conflito quando é separada pelo destino imprevisível das coisas, e o resto, para quem fica e para quem foi, é pura adaptação e resistência.
E se também antes o menino se divertia em guerrear, vestindo roupas espalhafatosas na segurança de sua enorme casa protegida em uma bairro diplomático da cidade, e fingindo pilotar um avião de guerra e matando geral, pois, para a elite, o drama dos debaixo é um eterno motivo de brincadeira e risadas, tudo muda quando a realidade se impõe e os força a perceber que também vivem sob um teto de vidro – muito mais fino do que aparenta. Sozinho em Xangai, Graham acaba sobrevivendo no mundo dos refugiados indo parar num campo de concentração japonês lotado, onde os não-chineses são forçados a ficar ao longo da guerra se quiserem viver. Graham é poupado, mas sua bolha de classe é rompida enquanto, mesmo criança, aprende do que é feito o homem, seus conflitos e sua esperança sob constante provação por dias melhores.
Na década de oitenta, após redefinir a lógica do espetáculo cinematográfico com blockbusters como os Indiana Jones, Tubarão, E.T. e Contatos Imediatos de Terceiro Grau, Steven Spielberg, dentro do competitivo cenário americano de cineastas, era o diretor perfeito para o típico filme de guerra esperançoso, e acalorado, onde os finais felizes justificam os meios que sua direção tenta suavizar. Porém nem sempre o mestre do entretenimento hollywoodiano acerta, e o motivo é mais simples do que parece: quando Spielberg mostra a crueldade do mundo e das nossas relações como elas são, grandes obras brotam disso. Qualquer cena de Munique, A Cor Púrpura ou A Lista de Schindler tem uma potência sensorial incomparável a qualquer minuto de O Império do Sol, filme este que o velho amigo de George Lucas prefere tornar fraco, e fácil de engolir, ao invés de uma sólida e memorável experiência artística – como as já citadas, anteriormente.
Pode-se falar, contudo, que o filme é de dois fatores, aqui: um jovem Christian Bale, numa ótima atuação enquanto perde a inocência de sua zona de conforto ao invadir uma zona de pura tensão e selvageria (pouquíssimas vezes sentidas no filme), e a fotografia de Allen Daviau. A forma como muitos enxergam O Império do Sol como um dos épicos de Spielberg se vale principalmente dos espetaculares planos de Daviau, como na icônica cena de Bale, banhado pelo brilho de um pôr do sol verdadeiro, fazendo continência aos aviadores japoneses que ainda resistiam, mesmo com seu país explodindo em mil bombardeios. Visual impecável para uma cena indispensável ao protagonista. Seu personagem amava os ares, e foi na busca por uma miniatura de avião que ela, a aviação, o fez reparar na vida e na morte, cara a cara. Simbólico, mas aquém de todo o seu potencial dramático, temático e cinematográfico. Spielberg já fez melhor, mas também faria muito pior com Cavalo de Guerra. Esse sim, um insulto.
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