Uma das gratas surpresas dos últimos anos do cinema no oriente médio, O Sonho de Wadjda é ainda mais surpreendente por ter sido escrito e dirigido por uma mulher, dentro da ditadura da Arábia Saudita que tolhe tantos direitos humanos, principalmente o das mulheres.
A jovem saudita de 10 anos Wadjda tem como o seu maior sonho uma bicicleta, e para conseguir o dinheiro necessário aceita entrar no coro religioso do seu colégio que dará um prêmio em dinheiro para o vencedor.
O roteiro da própria diretora Haifaa Al-Mansour acerta em colocar a narrativa sob os olhos já não tão inocentes de uma jovem protagonista. O fato de Wadjda ser focada e determinada, e ao mesmo tempo inocente por ainda ser jovem, é determinante em fazê-la entrar em choque com as dificuldades que enfrenta pelo caminho sem se preocupar muito com as consequências. A personagem deseja uma bicicleta, apesar de não ter dinheiro no momento, e a mãe e a diretora do colégio a desencorajarem, respaldadas pela lei do país.
Outro acerto do roteiro é mostrar a falta de direitos humanos e questões de gênero em uma ditadura árabe. Durante o tempo todo, a narrativa faz questão de mostrar como as mulheres têm tão poucos direitos em comparação com os homens, como não poder sequer possuir uma bicicleta no caso da protagonista, não sair a rua sem a burca, não ser habilitada a dirigir um carro e não trabalhar em diversos empregos, no caso da mãe, e no caso de mãe e filha serem obrigadas a suportar a possibilidade de que seu marido tenha outra esposa e família.
A direção de Haifaa Al-Mansour é sólida e consistente e consegue entregar uma boa narrativa audiovisual. As boas composições dos enquadramentos e a competente direção de atores são os pontos altos do filme. Uma mulher como a grande regente foi importante em passar a importante mensagem que o filme se dispôs.
A jovem atriz Waad Mohammed é uma grata revelação que rouba todas as cenas em que aparece, trazendo qualidade à narrativa. Reem Abdullah interpreta sua mãe e consegue transpôr para a personagem os dilemas de ter uma filha rebelde e um marido prestes a deixá-la. Ahd é a diretora da escola e não compromete como a grande antagonista de Wadjda.
A fotografia do alemão Lutz Reitemeier é naturalista e se fundamenta nos tons amarelos e marrons, na rua de terra batida onde se localiza grande parte da trama. A edição do também alemão Andreas Wodraschke mantém o ritmo do filme, porém não se destaca em nenhum momento.
O Sonho de Wadjda vale a pena para quem deseja assistir a um bom filme com questões universais, além de apresentar outra cinematografia do oriente médio que não a iraniana.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.