Pegue um pouco de Dom Quixote, acrescente pitadas de Bye Bye, Brasil, emulsione com cem mililitros de Cine Holliúdy e cozinhe em fogo baixo por pouco menos de duas horas. Se Os Pobres Diabos, filme que marca o retorno do cearense Rosemberg Cariry a cadeira de diretor, pudesse ser representado em uma receita, certamente seria bem próxima desta descrita acima.
Na história, a trupe do Gran Circo Teatro Americano chega a um vilarejo desértico, onde decidem montar acampamento e armar sua lona. O cenário do filme é basicamente um circo, o que contribui bastante para que um ar de nostalgia surja durante a exibição. Já faz algum tempo que, no lugar de despertar uma faceta lúdica, o circo acaba sendo relacionado a decadência, fracasso, marginalização e, até mesmo, picaretagem. Isso se dá, sobretudo, porque é uma atividade que sobrevive somente no interior e em regiões ditas periféricas. E isso fica bastante evidenciado ao longo da trama.
O grande problema em Os Pobres Diabos é a falta de uma história a ser contada, de uma trama para se desenrolar na tela. Por mais que o diretor seja extremamente habilidoso ao desenhar metáforas, estabelecer intertextos e capturar momentos bastante emocionais em cena, fica difícil não notar que o filme não apresenta um rumo e, menos ainda, uma relevância. Isso fica ainda mais notório quando identificamos cenas inteiras que poderiam ser totalmente retiradas do longa sem anular o seu valor e entendimento.
Na inexistência de um bom argumento, a salvação do filme poderia ser os personagens que nele habitam. Mas aqui o problema é ainda maior. Toda a sorte de clichês está presente. Principalmente na figura do “palhaço ladrão de mulher” que não oferece nada de novo para o público. Apesar de Silvia Buarque, Chico Diaz, Everaldo Pontes e o restante do elenco estarem vívidos na tela, falta substância textual para que esta mesma vivacidade contagie seus personagens.
Do ponto de vista visual, o filme é um convite para o olhar. Um design de produção bastante assertivo, com detalhes que enchem os olhos e fazem o espectador esperar mais do que vem pela frente. A trilha sonora base não surpreende, na verdade, pouco se faz presente. Até mesmo por deficiência da espinha dorsal de uma boa trama, o roteiro. Um filme sem clímax não apresenta muitas possibilidades para que uma trilha sonora possa soar marcante.
Os Pobres Diabos soa inacabado. Um filme lindo em visual, mas com pouca ou nenhuma intenção de contar uma história. Ainda não é este o retrato oficial do artista circense brasileiro nos cinemas.
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Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.
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