A burocracia e a rotina acachapante são os principais motes de Todo o Resto (no original Todo Lo Demás), novo filme da diretora mexicana Natalia Almada, a mesma que conduziu a cinebiografia El General, sobre presidente mexicano Plutarco Elias Calle. Dessa vez, a história é conduzida a partir da vivência de Dona Flor, interpretada com maestria por Adriana Barraza, atriz que consegue reunir em suas características muito diferentes em sua performance como atriz.
O oficio da protagonista é em um escritório burocrático, invertendo o lado de abordagem do vencedor da Palma de Ouro Eu, Daniel Blake. Seu caráter é bastante íntimo e certeiro, com detalhes bem acertados, em especial nos enfoques nos pés da personagem e nos enquadramentos que deflagram a alta idade da heroína, não tendo pudor em mostrar varizes, rugas e demais sinais corporais de idade avançada.
Almada é econômica em recursos cinematográficos clichês, evitando fade outs, trilha sonora emotiva, etc. A realidade do filme é a pragmática, crua como é a vida fora das salas de cinema, falando sobre a solidão de maneira tocante, mas não poetizando a vida. A letargia da personagem, que percebe injustiças acontecendo bem ao seu lado dialoga muito bem com as mudanças sociais retrógradas que ocorrem com o cenário político mundial e que sofrem com pouca ou nenhuma resistência por parte dos que deveriam se opor a ela, em especial os ativistas que como Flor, acham que estão fazendo um trabalho correto e repleto de boas intenções.
Flor tem uma ligação emocional bem intensa com o felino que cuida, aspecto esse curioso, por que ela se compadece do animal, mas não daqueles que a cercam. Essa característica por sua vez também faz referência a outro pseudo espectro político, normalmente de direita, daqueles que conseguem sentir piedade, dó e lástima por seres que não tem fala mas que não enxergam sequer a miséria que ocorre nas sarjetas de seus prédios de luxo. Flor, ao contrário desses citados, não tem muitas posses, fato que torna ainda mais contraditória sua atitude já que não há sequer a (péssima) desculpa de não ter vivência para entender a dor e flagelo alheio.
Todo o Resto é um filme silencioso, fato que dificulta qualquer tentativa de catarse. A sensação de isolamento se transfere da personagem para o espectador, uma vez que não há para Flor com quem dialogar e não há para o visualizador para quem torcer. A burocracia do dia a dia parece ter matado qualquer possibilidade de sensação seja por romance ou por empatia do cotidiano, fato que faz uma das últimas cenas se tornar ainda mais cara, quando uma mulher desconhecida toca em seu ombro, de maneira despretensiosa, encarada por sua vez como um evento único para a protagonista. A ideia de criticar o sistema econômico vigente é alcançada com maestria, fazendo deste filme de Natalia Almada uma pérola em meio a cinematografia latina recente.