Quando Xavier Dolan brinca bem de Pedro Almodóvar, Michelangelo Antonioni, Rainer Werner Fassbinder e faz ciranda-cirandinha com Pier Paolo Pasolini, todo mundo ama – e não é pra menos. As boas sacadas de imagem, o carisma, o desejo pelo mundo da moda e da música, a trilha-sonora cosmopolita e extrovertida que faz seus filmes terem uma identidade chave em meio a produção do cinema francês, tudo isso marcou até então o início do garoto prodígio, que agora volta para solo nativo, o Canadá. E, de uma hora pra outra, com um filme por ano, como Woody Allen, Dolan resolve parar de brincar e deixa o playground, se achando um cineasta maduro, sério, e todas as pretensões que o leitor/espectador possa achar mais conveniente. O criador de Amores Imaginários, o melhor da primeira fase dele, decidiu que, após três filmes, já estava na hora de ter fases, e resolveu imitar Lars Von Trier numa mistura de Anticristo com Brokeback Mountain, sendo que aqui um dos cowboys já morreu antes da história começar, anunciando a tragédia que Tom na Fazenda não assume a vergonha de ser – de existir, numa carreira até agora tão bacana e, por enquanto, promissora.
O cara gosta de atuar, mas sem uma Monia Chokri ao lado fica difícil de convencer a dor existencial de quem perdeu o amor para a morte. O filme é totalmente assexuado, muito cérebro e pouco tesão; coração: zero. Totalmente abstracionista em conceitos e aplicações de éticas artísticas e consciências artísticas que Lawrence Anyways, de 2012 – ‘‘filme-fetiche” dos mais ocos, toscos e superficiais, que recebeu nota mínima na Escola LGBT Almodóvar de Cinema –, já dava indícios óbvios de que o processo de saturação da personalidade já havia começado, concluindo-se em Tom com cenas de dar vergonha alheia (o cara não sabe filmar a beleza de um nascer do sol) e de nos fazer duvidar da sorte de principiante que Dolan pode ter tido nos seus dois bons filmes de estreia, merecidamente ovacionados como propostas ousadas de recriação de formas, já empregadas desde sempre.
Adaptado de uma peça de Michel Marc Bouchard, o drama é tratado de forma tão fechada e controlada, claustrofóbica, ofegante, que a emoção da história, os nervos à flor da pele a ponto de explodirem, se exala não pelo tratamento das personagens – o que não existe aqui, sendo que cada figura é fruto de estereótipos de um cinema velho, que nada condiz com a expectativa do talento ‘‘original” de Dolan –, mas sim pelo desejo que esse arremedo de história –e o pior, tratado como um arremedo – acabe o mais rápido possível, ou que alguma banda de pop-rock comece a tocar um sonzinho legal pra melhorar as coisas, pelo amor de Deus.
O diretor (mais tarde a gente vê se é cineasta mesmo, pouquinho mais de arroz e feijão), já confiante que é o Quentin Tarantino da vez, se arrisca mais longe, muito mais alto, com Alfred Hitchcock (é aqui que a gente ri), e se não cai para a morte tipo Kim Novak para a decepção de quem o acompanhava com toda a expectativa do mundo, é atacado pelo o que vem de cima, quando já se considerava intocável. Tom na Fazenda é cinema de armário, limitado, enquanto, ilusoriamente, se enxerga arrasando na parada gay. Que “menos é mais”, todo mundo sabe. Mas que ‘‘mais” pode ser ‘‘menos’’, esperamos todos que Dolan tenha aprendido. Até porque Von Trier não é exemplo pra ninguém.