Ricardo Favilla comanda o documentário belo sobre a obra de Ziraldo. O longa Turma do Pererê.Doc começa com as falas do autor, a melhor figura possível para introduzir um público que não conhece a obra e os personagens desse gibi. Já nesse início há um mergulho na intimidade do desenhista, que diz que seu sonho desde criança era ser criador de quadrinhos, fato que esbarrou na descoberta tardia de que não havia revisa de um autor só no Brasil, até o próprio inaugurar a sua.
As entrevistas do documental incluem figuras ilustres, quadrinistas como Laerte e Mauricio de Souza, e estudiosos como Álvaro de Moyá (já saudoso), e a maioria deles destaca o quanto Ziraldo conseguia referenciava bem o ideário do povo brasileiro, referenciando o interior e a mata, já que naquela época pré Golpe Militar a maioria da população ainda não havia migrado para as grandes cidades. Turma do Pererê era muito fruto de seu tempo.
O quadro da pré historia dos quadrinhos autorais no Brasil é muito bem aludida, personagens e obras como o Chiquinho da revista Tico Tico – que era amado em todo o Brasil – e o Amigo da Onça da revista Cruzeiro são referenciados em tela, com ajuda visual e tudo. També se fala um pouco do que era publicado no começo do século XX, nos anos 30 e mais tarde no suplemento infantil do jornais, onde saiam as tirinhas. Somente nos anos 1940 começaram a circular revistas em quadrinhos feitas no país. A Gênesis das tirinhas era obviamente nos cadernos assessórios dos jornais, e essa iniciação aos olhos de Ziraldo era fundamental, por criar novos leitores. Para ele é culpa e responsabilidade da imprensa o êxodo de leitores brasileiros, pois essa porta de entrada foi fechada.
Ziraldo sempre foi uma figura controversa e cheia de opinião, e isso se refletia nas suas historias, e mesmo com as influencias gringas, havia muita brasilidade nelas – ao passo que utilizava números especiais do gibi para desmoralizar símbolos dos norte americanos, como Tarzan e o Papai Noel.
Engraçado como o traço do autor não tinha nada de infantil, Laerte até marca isso, que sua linguagem não estava nem só nos quadrinhos e tirinhas, mas também em trabalhos artísticos diversos, como o cartaz de Os Fuzis, de Ruy Guerra. O filme detalha bem o trabalho artesanal da colorização das revistas na época, bem mais demorado e difícil de fazer do que atualmente.
Talvez o maior legado de Turma do Pererê.Doc seja o de reverenciar Ziraldo ainda em vida, pois a maior parte dos documentários, como Henfil e A Vida-Extraordinária de Tarso de Castro acabam por analisar as figuras lendárias da comunicação brasileira clássica tempos depois desses já não estarem mais vivos. Conseguir travar comentários com o próprio autor dá muita fidedignidade não só ao filme, mas também a carreira do artista, que é pontuada com mais uma forma de louvar seu trabalho.
Impressiona como os entrevistas acham Perere revolucionário e pioneiro, e ele realmente é, pois ajudou muita gente a fazer e empreender quadrinhos no Brasil, até Mauricio. Favilla faz um trabalho didático mais repleto de alma e inspiração, emulando bem as características básicas do trabalho de Ziraldo.
https://www.youtube.com/watch?v=tbAZ8lpN_Ws