A diretora Catherine Breillat frequentemente causa controvérsia devido à forma aberta com que aborda a temática sexual em seus filmes. Sua marca registrada são histórias que exploram a sexualidade feminina com um estilo frio e analítico, sendo explícita de modo pouco usual. Em 2005, Breillat sofreu um AVC que a deixou hemiplégica, com o lado esquerdo paralisado, o que não a impediu de continuar fazendo filmes. Depois de fazer Une vieille maitresse, em 2007, planeja rodar Bad Love, filme escrito especificamente para ter Naomi Campbell como protagonista. Conhece Christophe Rocancourt, um golpista reconhecido, e quer que ele esteja em seu filme, como par de Naomi. O produtor recusa Rocancourt e, por esse e outros motivos, o filme acaba não sendo rodado. Aproveitando-se da debilidade de Breillat, Rocancourt consegue “extrair” dela mais 800 mil euros. Acusado pela diretora em 2009, Rocancourt foi indiciado e julgado culpado de abus de faiblesse (abuso de fraqueza) – aproveitar-se da vulnerabilidade de uma pessoa tendo ciência desse estado vulnerável, exercendo pressão no intuito de levá-la a ter atitudes prejudiciais a ela mesma. No final de 2009, Breillat escreveu o livro Abus de faiblesse, em que relata esses eventos e que serviu de base para o filme.
No filme, Maud Shainberg (Isabelle Huppert) é a diretora que sofre o AVC; e Vilko Piran (Kool Shen) é o escroque que se aproveita da vulnerabilidade de Maud. A atuação de Huppert é excepcional. Tão verossímil que chega a ser aflitivo ver as tentativas da personagem de se virar sozinha. A empatia causada é tamanha que o espectador se percebe fazendo os mesmos trejeitos da atriz, principalmente com as mãos e lábios. E não apenas isso. É irritantemente incômoda a falta de coordenação da personagem e mais incômoda ainda a percepção de que não deveríamos nos irritar com algo que está fora do controle dela. Não há qualquer dúvida de que Huppert carrega o filme nas costas, transpondo para a tela a personalidade incisiva da diretora. O que fica evidente é que o corpo pode ter sido debilitado pelo AVC, mas a personalidade continua “firme e forte”. E justamente por isso fica difícil para o espectador acreditar que seja possível que uma pessoa tão enérgica – beirando a prepotência – e tão resiliente se deixaria enganar dessa forma por um escroque assumido.
Em contrapartida, Kool Shen é tão inexpressivo quanto o vigarista promovido a ator que representa. Noveleiros das antigas se lembrarão da atuação “emblemática” de Ricardo Macchi como o cigano Igor, na novela Explode coração. Shen tem uma performance tão carismática quanto Macchi. E o restante do elenco é tão apático, que mal se consegue lembrar quem é quem na história.
Enquanto o primeiro terço do filme envolve o espectador na recuperação de Maud e na adaptação, nada fácil, à sua nova condição; o restante perde força enquanto vemos Vilko se “infiltrando” na vida de Maud e se aproveitando da fragilidade dela para explorá-la. A falta de empenho da diretora em tornar palpável e crível a situação de abus de faiblesse em que Maud se encontra faz a narrativa perder ritmo e intensidade. Não ser convincente o bastante faz o espectador ficar se perguntando por que diabos alguém inteligente agiria assim – assinando cheque após cheque – em vez de se compadecer dela em sua derrocada.
Fugindo do seu estilo habitual, o filme talvez permita a Breillat uma espécie de catarse, uma forma de sublimar e deixar para trás o que lhe ocorreu. Contudo, mesmo sendo um filme bem executado, não consegue impressionar o espectador o suficiente para ser lembrado além daquele bate papo pós-sessão.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.