Vortex Cultural: Desde quando existe o projeto Albatroz, como ele foi concebido e qual a participação de Bráulio Mantovani no processo?
Daniel Augusto: Há anos eu queria fazer um filme que que pudesse ser interpretado pelo espectador de mais de uma maneira. Em fevereiro de 2014, essa ideia fixa começou a virar um roteiro do Bráulio Mantovani. Eu tinha viajado para uma cidade próxima de Lisboa para apresentar um filme junto com a roteirista e produtora Carolina Kotscho, esposa do Bráulio. Até então, eu e ele tínhamos pouco contato. Num certo dia, a Carolina teve que trabalhar, mas eu e o Bráulio estávamos livres. Assim, fomos conhecer a casa onde morou Fernando Pessoa em Lisboa. Foi quando pudemos nos conhecer mais e descobrir que tínhamos muitos filmes, livros e discos que gostávamos em comum. Nesse passeio, eu contei para o Bráulio que gostaria de fazer um filme que fosse um enigma, mas que mantivesse a atenção do público. Num certo momento, num bonde, o Bráulio disse algo como: “eu vou escrever esse filme”. Desde então, durante um bom tempo, eu acompanhei vários tratamentos, com visitas regulares ao escritório dele, no qual o Bráulio criou os personagens e a trama do filme, com a colaboração de Fernando Garrido e Stephanie Degreas. Além de acompanhar a história do filme se desenhar, e conversar bastante sobre isso com o Bráulio, eu trabalhava em paralelo com o diretor de fotografia Jacob Solitrenick e a diretora de arte Juliana Lobo na visualidade do filme. Além disso, conversei algumas vezes com o pessoal do Instituto, autores da trilha musical, para lançar as sementes da atmosfera sonora. Já se disse que, no cinema, entendemos o que vemos e sentimos o que ouvimos: pensei muito em como chegar num bom resultado dessa combinação entre imagem e som para produzir a experiência particular do filme.
Vortex Cultural: Seu filme é considerado um filme de gênero, mas o modo como a história é contada foge um pouco das fórmula de thriller.
Daniel Augusto: Meu filme é um suspense, um mistério, um quebra-cabeça, um convite ao espectador para pensar sobre o que viu na tela. Trabalho com elementos de gênero, mas busco deslocar tais elementos para uma outra lógica, mais próxima de uma tradição que vem desde George Méliès, passa por O Cão Andaluz de Luis Buñuel, o expressionismo alemão, e desemboca em Alain Resnais, David Lynch, entre outros. Além disso, existe a questão da reflexão sobre a gramática cinematográfica, que é importante para mim. Assim, meu objetivo era tentar conjugar elementos de gênero, lógica onírica e experimentação, mas sem perder a atenção do espectador. É um suspense tenso e enigmático.
Vortex Cultural: Como você vê a recepção de público e também de crítica ao cinema de gênero brasileiro? Acha que existe rejeição e como você vê seu filme nessa equação?
Daniel Augusto: Sobre a recepção do meu filme, acho que ainda é cedo para dizer: o filme estreou na semana passada. Quanto à questão da recepção pelo público e pela crítica do cinema de gênero criado no Brasil, parece-me que para responder adequadamente seria prudente fazer um recorte mais preciso: por exemplo, escolher um gênero específico dentro de um período histórico determinado.
Vortex Cultural: Como foi trabalhar com um elenco tão estrelado e que tem participações tão pontuais e pequenas dentro do filme? Foi difícil conciliar agenda?
Daniel Augusto: É um elenco feito de pessoas experientes, competentes, colaboradoras e gentis. Foi uma delícia. Sempre é trabalhoso conciliar a agenda do elenco e da equipe, mas é um desafio que faz parte do processo.
Vortex Cultural: Houve muito improviso da parte do elenco, e se sim, como você lidou com isso?
Daniel Augusto: É comum surgirem novidades ao longo da filmagem e da montagem. Isso ocorre até em filmes com uma narrativa mais convencional. No caso de Albatroz, tudo que surgiu ao longo do processo só foi incorporado na medida em que se encaixava na lógica inicial. É um filme com bastante planejamento, desde a história até a concepção da imagem e do som.
Vortex Cultural: Albatroz é um filme que, ao assisti-lo, parece complexo de se dirigir, e é mérito seu ter conseguido organizar atuações, um roteiro diferenciado e a montagem moderna que ele possui. Foi difícil organizar tudo isso?
Daniel Augusto: Como comentei, há anos eu queria fazer um filme que que pudesse ser interpretado pelo espectador de mais de uma maneira. Tenho a impressão de que me preparo para filmes assim desde a graduação. Além disso, já fiz muitos documentários, que é o reino do imprevisto, do acaso, do caos. Quanto ao Fernando Stutz, ele é um excelente montador. Ao longo da montagem, ficamos amigos: temos também muitas referências e coisas em comum. Por exemplo, ambos fazemos doutorado: gostamos não só de ver filmes, mas de estudar o cinema. Acompanhei de perto a montagem, mas também dava o tempo que o Stutz pedia para viver com o material sozinho. Como montei muitos projetos, sei que algumas vezes é preciso de solidão, outras vezes é necessário estar ao lado do diretor. De modo geral, acho que um dos papeis do diretor é tentar organizar as diversas etapas de uma produção de um modo que a equipe possa dar o máximo do seu potencial. Albatroz é o que é pela atuação do elenco maravilhoso, pelo roteiro do Bráulio, pela fotografia do Jacob Solitrenick, pela direção de arte da Juliana Lobo, pela montagem do Fernando Stutz, pela música do Instituto, entre outros. Albatroz é o encontro dessas múltiplas potências.