Palco, luz e ação. O cinema de ação é um gênero brilhante, manipulador do tempo e do espaço em prol da apoteose do ser
Talvez não seja tão difícil definir um filme como sendo daquele ou este gênero prioritariamente, embora possamos definir 2 grandes gêneros: Drama, e Comédia. Os demais hibridizam estes. O drama tem sua narrativa se move à partir da trama e diálogos. Comparativamente, o filme de ação, é um drama onde substitui-se os diálogos pelos atos e feitos do protagonista (Herói).
Assista à cena do filme Matrix Revolution:
E responda rápido: O que os personagens buscam?
Tanto nesta cena acima, como na que ilustra este artigo, ambas da trilogia Matrix, os personagens estão obviamente disputando espaço. Eles se posicionam numa cena típica de duelo, e a câmera os flagra simetricamente. Desta cena em diante, os personagens, Agente Smith (Hugo Weaving) e Neo (Keanu Reeves) dialogam, e neste diálogo Smith se mostra superior. Se assistir à cena sem áudio verá quê o que mostra isso, é o fato de Smith se aproximar de Neo, e este, recuar uns instantes até perceber que não deve demonstrar receio e se firmar no local. Ao fazer isso, Smith para de avançar, e a câmera mostra novamente ambos na mesma posição simétrica, porém, mais próximos. Smith está ganhando o embate, e isso é claro ao vermos que ele ganha o espaço disputado. Em seguida, Neo é cercado pelos agentes Smith, perdendo todo seu espaço para o vilão. Esta é então, uma cena de ação. A ação é independente do dinamismo, o que conta é a disputa pelos espaços.
Na ação, o ponto central não é o objetivo, mas sim a estética de como se alcança o objetivo. Você tem trechos de narrativa e diálogos, entrecortados por opções estéticas que devem representar essa dificuldade de se chegar ao objetivo. Reparem como em diversas vezes, aparecem obstáculos seguidos, onde o herói deve: Se equilibrar, passar por trechos estreitos, escalar uma parede, vencer uma curva com o carro, passar com a nave/avião por um espaço mínimo, acertar a mosca, acertar o soco na hora certa… E geralmente, conseguir esse espaço, é a única chance do herói se manter em ação, ele tem de ser preciso e sempre parecer que sabe o que está fazendo e o quê acontecerá a seguir, ele precisa ser aquele que tem total domínio do espaço.
É preciso um palco, uma plateia, luz, câmera e ação
Vejam que a cena que ilustrou a primeira parte desta matéria acontece em uma praça, rodeada de prédios repletos de janelas. Apesar da sensação de que o local é deserto, todas aquelas janelas são os “olhos da ação”. Reparem como é muito comum a principal cena de um filme de ação ter uma construção como cenário. Em geral, ela justifica os holofotes, pontos instáveis para se pisar, e etc; e fazem daquele ambiente algo muito parecido com o palco de um teatro gigantesco. Tudo isso parte dum grupo básico de clichês que nos fazem perceber o gênero. Operários, holofotes, helicópteros de TV, personagens se confrontando no metrô… E por quê isso? É a consciência dum olhar externo, é quase uma quebra de quarta parede, já que o filme de ação, em geral vem carregado de um certo hedonismo, onde o espetáculo conta e esse olhar externo auxilia na suspensão de descrença, além do quê, é preciso ter um palco para delimitarmos espaços. É por isso que temos nos “westerns”, duelos na “Av Principal” da cidade, vilões chamando seus oponentes pra briga através da TV. Nada é discreto em um filme de ação, e mesmo nos mais discretos como por exemplo, “O bom, o Mau e o Feio”, deve existir ao menos um corvo, ou um túmulo para filmar a ação e manter esse olhar externo. Dentro disso, todo um cuidado com a estética é necessário, pois ela faz parte do “diálogo” seja com um estilo mais poético, como em O Tigre e o Dragão (Ang Lee), ou mais crua como na Trilogia Bourne (Paul Greeengrass).
Segundo Aristóteles…
Segundo Aristóteles, “A ação é o principio vital, a alma mesma do drama. Uma imitação não de pessoas, mas de ações” , e segundo ele, a ação é mais eficiente quando estabelece:
- Uma única unidade de tempo- Quanto mais contido e claro o período de tempo em que se passa, mais eficiente é o drama de ação.
- Única unidade de lugar/geográfica– De preferência, deve-se passar em uma única unidade geográfica, onde se dá sua o obstáculo e sua resolução
- Unidade de ação- É mais eficiente restringir a trama à uma única cadeia de eventos relacionados por causa e efeito.
Duro de Matar, e sua continuação, Duro de Matar 2, ocorrem ambos numa unidade geográfica muito específica, um no aeroporto e outro em um prédio. E ambos, ocorrem ao longo de um dia. Por isso é comum recursos como desfechos ao pôr do Sol, timers de bombas relógios, indicações para que o heróis esteja em tal lugar, a tal hora ou tudo explode.
Os obstáculos, preferencialmente devem estar ligados ao herói de alguma forma, e quanto mais desafiadores os obstáculos, mais o herói responde a altura. Devem representar um impasse em seu modo de agir e pensar, e redimi-lo de suas condutas e falhas. É comum vermos o herói sendo obrigado a corrigir um erro do passado em sua jornada, ou ver seu erro (Que Aristóteles chama de Hermatia, errar o alvo) se voltando contra ele.
Os elementos-chave…Perseguição e Confronto
Como em todo gênero à exceção da comédia, o objetivo é que nosso herói é terminar sua jornada o mais distante possível de como começou ela. Se era imaturo, se tornará maduro, se só seguia regras, aprenderá a fazer concessões…
Sendo isso, esses dois elementos protagonistas dos filmes de ação precisam agir em conjunto para levar a trama e o herói à algum lugar e fazer evoluir a narrativa. A perseguição e o confronto devem eventualmente fechar problemas iniciados no começo da trama, e de preferência, criar novos desafios, numa cadeia de eventos que venham como avalanche até alcançar o clímax da trama.
Confronto e perseguição devem demonstrar algo sobre a natureza de nosso herói e seu oponente. As situações importas devem mostrar as diferenças de caráter, habilidade, modo de agir de um para o outro. É o herói que irá jogar sua arma fora no confronto pois o vilão ameaça a vida de outra pessoa. Enquanto para um a vida do outro não importa, para o outro, vale mais do que a sua. O diálogo do herói e vilão, são suas atitudes.
É preciso representar perigo, tanto as ações do vilão quanto do herói. O herói deve entender que sua vida pode se perder a qualquer momento, apesar de sua habilidade, e o vilão deve oferecer situações onde o herói possa sair perdendo, e até se sacrificando pelo bem. Se não há gravidade, e consequências nas ações extraordinárias que acontecem na tela, tudo aquilo não passa de um exercício de futilidade. Um herói que não sangra e não sofre, não é um herói.
Tudo isso levando à catarse, o clímax do filme que é capaz de nos fazer despertar o herói que poderíamos ser, e nos identificarmos com ele através de suas ações e sofrimento. O bom herói se sacrifica, e nos desperta os sentimentos mais básicos. Todos querem ser heróis, e se um filme for capaz de lhe fazer querer ser aquele herói, ele atingiu seu objetivo.
–
Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.