Você já parou para pensar porque o cinema é tão mais amado do que todo o resto? Quando as pessoas ouvem comentários e críticas de cinema geralmente o fazem com cara de interesse, mas quando o assunto são jogos ou quadrinhos o cenário muda. Existe, na sociedade como um todo, uma visão muito simplista e banal dos dois meios. Falar que se gosta de quadrinhos ou de vídeo-games é muito legal no seu grupinho de amigos ratos-de-sebo e no outro grupinho de nerds, enquanto o cinema é uma arte muito mais pura e facilmente aceita. É fácil ver os méritos do cinema ou de um livro mas esquecer que os games e os quadrinhos são ferramentas igualmente efetivas para se passar uma mensagem. Há, por trás dos jogos de vídeo-game, idéias tão ou mais interessantes do que em alguns filmes.
Em 2025, o desenvolvimento da nanotecnologia avançou tanto que uma parcela considerável da população utiliza próteses mecânicas para expandir suas capacidades físicas e mentais. Grandes corporações que produzem e comercializam estes tipos de equipamentos possuem o controle das nações do mundo, comandando os governos e travando uma guerra secreta pela hegemonia no mercado de augmentations. No topo deste mercado, reinam as Indústrias Sarif, comandadas pelo audacioso David Sarif. Para proteger suas instalações da Frente Humanitária chefiada por Bill Tagard, e impedir que ela destrua seu império, Sarif contrata Adam Jensen, que é um ex-comandante da SWAT e, apesar de não possuir nenhum aug em seu corpo, torna-se o chefe de segurança da empresa, graças às recomendações da cientista chefe do Projeto Typhoon, a doutora Megan Reed. Pouco depois de seu recrutamento para a equipe de segurança das Indústrias Sarif, Jensen enfrenta um ataque ao prédio da companhia em Detroit e, durante a batalha, é ferido gravemente. Seis meses após o ataque, Jensen retorna “augmentado” para descobrir as motivações e autoria do atentado. Cabe a ele investigar toda a trama por trás dos ataques à Sarif e sua empresa, revelar os segredos sombrios dos poderosos e descobrir a verdade por trás da tecnologia empregada nos augs, enquanto tenta se adaptar a uma nova realidade que nunca escolheu para si: ser parte humano e parte máquina.
O plot acima poderia muito bem ser a história de um bom filme futurista a ser adaptado e dirigido por J. J. Abrams – e provavelmente ele seria um grande sucesso. Essa estória, entretanto é contada de uma forma diferente do cinema tradicional: nela, você controla o personagem principal. Por onde ele anda, quem e como ele mata, quem ele ajuda, para quem nega ajuda e até como ele se sente em relação às modificações que foram feitas em seu corpo para salvar sua vida. Tudo isso é controlado por você. Estou falando de Deus Ex: Human Revolution, um jogo multi-plataforma (disponível em versões para PC, PS3 e Xbox 360) que foi lançado em agosto de 2011. O título é o terceiro da série e conta o prequel dos jogos originais Deus Ex (2000) e Deus Ex: Invisible War (2003).
O jogo foi desenvolvido pela Eidos Montreal com participação ativa da galera da Square Enix (que, dentre outros produtos, é dona da interminável franquia Final Fantasy). As animações em CGI produzidas pela Square são umas das mais impressionantes do mundo dos games e fazem parte deste jogo. O jogo foi um sucesso de crítica tanto da profissional – recebeu nota 9 dos editores da IGN – quanto da popular – 8.2 no Metacritic é um resultado digno de comemoração – e o enredo tem chances de aparecer nas telonas.
Além de uma boa estória, cenas em CGI impecáveis, o jogo tem boa jogabilidade. Colocando uma tarja de gênero na capa do jogo, podemos dizer de Deus Ex: Human Revolution enquadra-se no estilo First Person Shooter com elementos de Role Play. Como quase tudo no jogo, a quantidade de ação no game varia de acordo com as suas escolhas e conforme sua habilidade com o controle. Você pode escolher entre evitar o confronto e tomar os inimigos de forma silenciosa ou escancarar sua presença e jogar com a ação frenética e tiroteios intermináveis no mais puro “Rambo style“, como os gamers gostam de intitular. O jogo mescla a visão em primeira pessoa com o sistema de cover que tomou conta dos jogos de ação (vide Gears of War, Uncharted ou a excelente série Metal Gear) e é muito competente em ambas as etapas. Os tiros possuem efeito diferenciado dependendo de onde acertam nos alvos e a transição entre os famosos “murinhos” é bastante simples e intuitiva, por exemplo. A física do jogo deixa um pouco a desejar e, quando você precisa remover uma caixa ou o corpo de algum inimigo com um pouco mais de pressa ela até atrapalha, fazendo o personagem soltar o objeto contra a vontade do jogador. Os objetos não dão uma sensação muito boa do peso que tem, mas movimentam-se quando atirados de forma bastante fiel ao mundo real. No final das contas, a maioria dos movimentos do jogo não é substancialmente prejudicada pela já ultrapassada Unreal Engine.
O sistema de upgrade das augs é muito bom. Mesmo que Jensen não tenha pedido pelos implantes cibernéticos, eles ajudam bastante nas missões. Vão desde aumentar a força física do personagem (fazendo-o erguer objetos impossíveis de serem carregados por humanos normais ou saltar mais alto), passam por habilidades de infiltração (como andar sem fazer barulho e até camuflar-se com o ambiente por alguns segundos, evitando ser visto) e chegam até capacidades mentais (como prever o resultado de alguma resposta em um diálogo ou hackear computadores com maior facilidade e velocidade). Um ponto positivo é que não é possível maximizar os três tipos de augs e você precisa escolher, quando recebe um novo ponto dePraxis, como será seu jogo. Se você escolher jogar no modo Rambo, por exemplo, será muito difícil conseguir uma infiltração perfeita na base inimiga. Ao completar as missões você recebe uma quantidade pré estipulada de pontos de experiência mas infiltrar-se sem ser percebido pelos inimigos ou derrubar todos com ataques em close range, por exemplo, garantem bônus a esta quantidade de XP. Encontrar passagens secretas, hackear algum equipamento com sucesso ou interagir sem se contradizer com algum personagem pode lhe conceder importantes pontos de experiência, se você quiser facilitar sua vida no decorrer do jogo.
De fato, o que mais impressiona é a estória bem construída e o fato de tudo que você fizer nela trará consequências durante seu percurso atrás das respostas aos questionamentos do personagem principal. Durante um diálogo com um personagem você pode dissuadi-lo de matar um refém, por exemplo, e se isso acontecer você receberá um bônus de experiência e a ajuda deste mesmo personagem mais para frente. Da mesma forma, se você escolher matar o personagem e salvar a refém o mesmo não lhe impedirá de conseguir um dos objetivos, tornando sua jornada mais fácil. Os diálogos do jogo são muito bem construídos e durante eles você possui algumas opções de reação e estas opções refletem, ainda que timidamente, no decorrer do enredo. E que enredo!
Deus Ex não deve ser encarado como apenas um jogo de videogame. O enredo critica, desde o começo, a relação entre o homem e a tecnologia. Critica a forma como o dinheiro e o poder se ligam ao desenvolvimento humano. Adam execra a dependência que as pessoas ao seu redor têm dos recursos tecnológicos e o roteiro do jogo leva a alguns pontos que mostram a dificuldade de continuar sem ela. Durante sua trajetória pelas missões você vai se acostumando com as augs, vai tornando-as parte do seu gameplay até estar completamente ligado às facilidades que elas trazem. O roteiro convida o jogador a pensar nessas questões enquanto você percebe o quanto todos os problemas de Jensen e de inúmeros outros personagens existem somente graças ao comércio de augs e a ganância de alguns personagens. Deus Ex convida a estes pensamentos e até se dispõe a deixar essa reflexão bastante evidente ao final do jogo, mas cabe ao jogador aceitar o convite.
Um “joguinho” com um potencial de replay acima da média, graças às diferentes formas de se completar cada missão. Um “joguinho” com personagens cativantes e que nunca se desviam da motivação original. Um “joguinho” muito bem polido que não deixa bugs gráficos ou atalhos fora da programação (pelo menos não que eu tenha notado). Um “joguinho” com uma estória envolvente e que fomenta uma reflexão muito interessante sobre o futuro dos seres-humanos e como eles podem facilmente se tornar escravos das máquinas que criam. Um “joguinho” sobre pensamento crítico e sobre acreditar na espécie humana. Um jogo cinematográfico ao extremo.