Almanaque 1964: Fatos, histórias e curiosidades de um no que mudou tudo (e nem sempre para melhor) (Companhia das Letras), da jornalista Ana Maria Bahiana é uma obra de apuração jornalística eclipsada pela caoticidade da diagramação, uma prova que até o melhor texto ou as melhores informações podem ficar prejudicadas por falta de uma ordem funcional de leitura.
Os almanaques têm sempre a tarefa hercúlea de resumir as notícias importantes de determinado ano ou assunto de forma coesa e instigante ao leitor. De forma isolada, as partes não se entendem; se o texto é muito bom, mas a disposição da página é prejudicial, o leitor não conseguirá eleger uma ordem de leitura e por vezes perderá o fio da meada dos acontecimentos; por outro lado, se a diagramação é boa, mas a informação é insuficiente, o leitor nadará no raso, sem conseguir entender a fundo aqueles acontecimentos. No “Almanaque 1964” da Companhia das Letras, temos o primeiro caso. A riqueza do texto escrito pela experiente Ana Maria Bahiana se perde frente à desordem de leitura (talvez uma metáfora ao caótico ano de 1964?).
Logo no sumário entendemos que os capítulos representarão os meses daquele ano. Em cada capítulo um texto sintetiza o que aconteceu naquele mês, com fotos para exemplificar destaques, e a seguir nos deparamos com uma linha do tempo em que o leitor, teoricamente, acompanharia dia a dia os acontecimentos enquanto a progressão de números também indica uma ordem de leitura. Este é o maior erro: o leitor não acompanha a ordem dos números, antes, o olhar é capturado pelos destaques que mais parecem manchetes jornalísticas.
A falha, portanto, é que a diagramação interna é semelhante a um jornal, e todo mundo “aprende”, na leitura jornalística, a ler as manchetes grandes primeiro porque, teoricamente, são as mais importantes, e as menores são lidas no final (se der tempo). Daí fica claro um desalinho entre diagramação e leitor, pois os trechos destacados na “linha do tempo” de cada mês, apresentam formatos de letra e tamanho diferentes entre si; ou seja, quem lê perde a sequência lógica dos fatos para criar uma ordem de leitura baseada no tamanho das letras que encontra.
Outra coisa que poderia melhorar o entendimento sobre a obra (e o ano), seria uma divisão clara e ordenada dos fatos acontecidos no Brasil dos referentes aos outros países. As informações, como estão, sobrepõem-se geograficamente e temos que pinçar o que acontece no nosso país do que ocorreu no resto do mundo, e vice versa. Novamente, falta uma continuidade que permitirá ao leitor criar uma ordem lógica dos acontecimentos; por vezes as informações parecem à deriva, soltas, sem complemento ou profundidade.
Afora a diagramação problemática, como as páginas verdes com letras também em verde, as fontes serifadas e não-serifadas com tamanhos diferentes em cada página, as manchetes serifadas com entrelinhamento baixo (como se uma palavra estivesse rasgando a outra), a (des)ordem numérica e os acontecimentos sobre o Brasil enrolados com aquelas de outras partes do mundo, “Almanaque 1964” pode funcionar muito bem como instrumento de pesquisa inicial para os interessados sobre aquele ano obsceno.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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