O amor é revolucionário.
A Alquimia da Tempestade e Outros Poemas (7Letras, 2017), de D. G. Ducci é um livro de poemas classudo, com uma lógica bem estruturada do início ao fim e forte âncora na segunda fase do Romantismo brasileiro (os ultrarromânticos), sobretudo por declarada inspiração do autor no trabalho de Álvares de Azevedo.
O livro é dividido em cinco partes. A primeira delas, “Os outros poemas”, aglutina versos que não compõem a alquimia romântica proposta pelo poeta. Aqui encontramos desabafos, metapoemas, sonetos de variados temas, poesias sem forma fixa e um poema em inglês.
“Poesia-grangrena” abre o livro como um poema-protesto aos poemas-protesto: “Insira aqui um poema de agora/ bastante recente/ um desabafo qualquer desses moços/ em terceira pessoa/ a rima vista com tédio e desgosto./” Ao escolher esses versos na abertura do livro, Ducci situa seus poemas à margem do desabafo cotidiano. É como se avisasse ao leitor para ele abrir os olhos e se abrigar, porque logo vem tempestade.
Antes de iniciarmos a alquimia, encontramos o “Prólogo e invocação”. Algo comum à poesia clássica, no primeiro poema o poeta pede inspiração às musas ou aos deuses para compor os versos. É um poema sacrifício. Aqui, o autor invoca a própria Poesia e a clama “redentora”, personificando-a como divindade que expurga os pecados predecessores. Assim se faz o poeta.
Logo temos “A brisa”, a primeira fase da tempestade. O autor agarra-se aos sonetos (forma que utiliza até a quarta parte), e os tempera com o amor idealizado; encontramos o sumo sentimento íntegro, presente na consciência e no desejo dos amantes, e assistido pela Natureza e o Tempo (o que remete à gênese do mundo grego, que enlaça Kronos, Gaia e Eros).
“O vento” precede a brisa. Os sonetos desse grupo eriçam o desejo. A paixão agarra o eu lírico e o arrebata pelos caminhos do corpo, da noite e da conquista. Seguimos o vendaval guiado pelo autor com curiosidade e lembranças aguçadas. Quando “A chuva” começa, os sonetos adquirem forma shakespeariana e os versos dilaceram a fúria (benigna?) do amor enquanto também expõem a suspeita de rejeição do(a) amado(a). A morte ultrarromântica está presente em “Morrerei”: “Se a vida me foi drástica morada, / que a Morte seja fuga desejada!”.
Na última parte, “O furacão”, a tempestade alcança o ápice com poemas de formas variadas sobre o amor não realizado (a intempérie desfaz a forma fixa dos sonetos predecessores). Encontramos alternativas para a fuga do sentimento pleno: o além-mar, o sonho, o mundo de lugar algum e a sempre presente morte: “Me cura da doença que devora/ e mostra para mim a eternidade!”, versos de “Morte”.
Os ultrarromânticos sofrem/sofreram para exprimir em poemas esse desvario tresloucado que responde por amor; e nós, leitores, brutos como plateia de gladiadores, aplaudimos e nos comprazemos com o resultado do sofrimento desses poetas. Mas não apenas por valor artístico, reconhecemos o valor dessas almas líricas por nos arrancar da ignorância do cotidiano e resgatar o sonho de amar e ser correspondido. E, sobretudo nos tempos atuais de ódio e intolerância, amor é um ato revolucionário. O livro de estreia de D. G. Ducci é, por isso, também revolucionário.
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Texto de autoria de José Fontenele.