Há uma verdade na sinopse do livro de A Dama Oculta: não é nada difícil compreender os motivos que levaram Alfred Hitchcock a transformar a obra de Ethel Lina White em uma de suas obras cinematográficas. E muito disso se deve ao fato de que os méritos da escrita de White também poderiam ser (e foram!) os méritos na direção do Mestre do Suspense.
Publicado pela Editora Vestígio como parte de uma coleção sobre as obras literárias que inspiraram alguns dos filmes mais notórios do diretor, A Dama Oculta é um prato cheio um intrigante jogo de percepções e desconfianças: no livro, acompanhamos Iris Carr, uma jovem socialite que, após uma viagem com amigos ao continente europeu, resolve retornar sozinha para casa, intimidada por algumas personalidades estranhas que a cercam desde sua estadia no hotel. No retorno, Iris conhece no trem uma senhora animada e faladeira chamada apenas de Srta. Froy e que, após um súbito sono de Iris, some sem deixar vestígios, e com o agravante de que nenhum dos passageiros a bordo parece se lembrar da presença da idosa. E assim, questionando ora sua própria sanidade, ora o envolvimento de alguns rostos nesse mistério, Iris parte em busca do paradeiro da Srta. Froy.
Para uma temática como a de A Dama Oculta, onde as ações ocorrem num espaço limitado e assim em constante velocidade, seria indispensável que a autora soubesse aguçar a curiosidade de quem lê com os desdobramentos da situação. É um risco o autor jogar sua história dentro de um cenário fechado e não trabalhar com inteligência aquele espaço. Mas Ethel Lina White carrega um trunfo, o de conseguir estabelecer o interesse e a desconfiança do leitor antes mesmo dos principais acontecimentos chegarem ao trem. A escritora não se limita a utilizar Iris como um mero captador de informações para o leitor, e carrega seu olhar até as diversas outras personalidades que irão permear a leitura, por vezes até permitindo que o leitor retenha informações que nossa própria protagonista desconhece. E Ethel Lina White é habilidosa em trazer as informações à tona. Cada nova página nos traz alguma informação que, mais cedo ou mais tarde, virá ser essencial para o encerramento do quebra-cabeça.
Curioso é também notar como a autora desenha nossa protagonista, e para alguns (e algumas), isto assuma até mesmo um viés feminista, o que não seria nada errado: Iris é uma moça de extrema pertinência, mas que vez ou outra se deixa balancear por sua própria sanidade, algo absolutamente humano. Mas decidida a descobrir o que houve com a Srta. Froy, Iris enfrenta um mar de rostos (a maioria homens, diga-se) que tentam lhe impedir de chegar a uma resposta, que tentam manipular sua própria busca, o que resulta também num jogo de inteligência fumegante entre esses personagens. Nisso, Ethel ainda é esperta em enxertar, com um misto de clareza e sutileza, uma guerra silenciosa entre as mais diversas classes sociais e até mesmo xenofobismo.
Com um irônico desfecho melodramático (evitado por Hitchcock em sua adaptação), A Dama Oculta é uma leitura facilmente envolvente, divertida, sarcástica (não também à toa, a adaptação de Hitch é considerada o auge de sua fase britânica, algo com o qual o humor da obra flerta) e que, vale ressaltar, chega nesta sua nova edição com uma belíssima capa dura. Que venham os próximos lançamentos!
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Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.
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