O maior escritor da literatura universal. Completo. Ilimitado. Gênio. Estes são alguns exemplos dos muitos superlativos que o inglês William Shakespeare conquistou por conta de sua grandiosidade e excelência, tanto no teatro como na poesia – potencial inversamente proporcional à habilidade deste crítico, que procura um senso mínimo para expressar ao menos uma parcela do significado do autor nas artes.
A marca de Shakespeare na literatura é definitiva, até hoje sendo referência como leitura, objeto de estudo, citações ou releituras. O distanciamento temporal, acrescido da falta de material histórico a seu respeito, produz dúvidas quanto a quem foi o homem por trás do mito, dando espaço para teorias conspiratórias que, de qualquer maneira, nunca negaram o óbvio. Shakespeare é um escritor ímpar. Suas peças eram populares, apresentadas para diversas parcelas da população. Hoje em dia parece estranho conceber esta façanha, em um país em que a cultura, principalmente o teatro, se desenvolve em eixo e tenta ser elitista. Ainda assim, encontramos sempre em cartaz uma interpretação de suas peças.
Todas as obras do dramaturgo estão disponíveis em nossa língua, com mais de uma tradução. Há desde traduções mais clássicas, que rebuscam desnecessariamente a linguagem, a obras de estudiosos shakespearianos que se esforçam para não perder o estilo original e são bem-sucedidos na empreitada. Porém, nenhuma delas tem como função primária compreender o texto como material para uma peça teatral: ao se ler uma peça de teatro, os leitores devem levar em conta que apreciam apenas parte de uma intenção maior. O texto de um drama pode ser suficiente para produzir excelente literatura, mas só alcança a plenitude quando encenado.
A Balão Editoral, em parceria com a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico, lançam no mercado uma nova tradução de As You Like It, tida como uma das comédias maduras do dramaturgo. A companhia dedicou-se a estudar e discutir a obra do bardo e, em uma ação coletiva, traduzir a peça a partir do original, sem perder o estilo e a eficiência para o teatro.
O título foi versado como Do Jeito Que Você Gosta, mantendo a intenção de uma comédia popular que explicita a composição da história ao gosto do povo. A peça é chamada também de “a comédia de Rosalinda”, por ser esta a personagem central responsável por boa parte do elemento cômico em cena.
A trama se desenvolve em dois polos, evidenciando um estilo duplo que permeará toda a história. De um lado, um duque e sua filha que usurpou o poder de outro e o baniu do reino; de outro, um irmão que, mesmo orientado pelo testamento do pai a cuidar do irmão mais novo, o trata como um mero empregado. É a partir desse conflito, e do descontentamento das personagens, que nasce o riso.
Shakespeare desenvolve o conceito de que o poder, movido por desejos pessoais, sempre corrompe, enquanto no desapegar dos bens – principalmente em encontro com a natureza – seria possível reencontrar-se uma harmonia. A peça retoma um dos conceitos primordiais do dramaturgo, que sempre fundamenta o palco como um exemplo da própria vida em que cada um, movido por seus atos e falas, é responsável por um enredo, dando voz a personagens que, dentro da sociedade, são periféricos – como o bobo da corte, a personagem mais sã e sábia da história, em analogia aos que se dizem nobres mas são os mais cegos do reino.
Seu estilo é simples, mas repleto de uma sutileza poética emocionante. Suas personagens possuem a língua afiada e sempre estão dispostas a nos presentear com reflexões breves sobre o momento em que estão. Escrito concentrado na ação e nas palavras das personagens, há poucas referências cênicas em suas peças, fazendo da leitura um espaço mais imaginativo para o leitor e, nos palcos, dando fluidez para que encenadores contemplem a cena da maneira que acharem mais conveniente.
A edição da Balão Editorial, além da excelente tradução (que contém poucas adaptações, todas explicadas pela equipe), conta com uma introdução do diretor artístico da companhia, Marcelo Lazzaratto, explicando a concepção da adaptação, e uma entrevista com os atores tradutores da peça. Além disso, o livro vem também com um marcador de páginas que lista as personagens, uma simples, porém excelente, ideia que facilita o acesso do leitor a elas, sem a necessidade de, caso esqueça quem é quem, voltar ao começo do texto.
O projeto da Cia. De Teatro Panorâmico com a Balão Editoral é um interessante conceito que poderia ser apenas o início para que a editora fundamentasse uma coleção com traduções de companhias teatrais, além de enriquecer o cenário da dramaturgia brasileira. Mesmo que alguns leitores fiquem incrédulos, ler uma peça teatral é sempre prazeroso. No caso de uma obra como a de Shakespeare, tão múltipla, nunca é demais ler ou reler.