Neste novo livro o autor de Divórcio entra ainda mais fundo na fronteira entre ficção e realidade e acaba por fazer uma grande homenagem à literatura através de seu primo bastardo: os quadrinhos.
Depois do reboliço que se seguiu à publicação de Divórcio – em que Lísias conta em detalhes os eventos envolvendo o divórcio do protagonista, Ricardo Lísias -, o autor retoma, em Fisiologia da idade, essa abordagem auto-ficcional. Na coletânea de contos publicada em 2015 – Concentração e outros contos, um apanhado de textos breves escritos e já publicados, exceto o conto “Auto-ficção” – há uma sequência de contos “fisiológicos”: “Fisiologia da Memória”, “Fisiologia do Medo”, “Fisiologia da Dor”, “Fisiologia da Solidão”, ” Fisiologia da Amizade”, ” Fisiologia da Infância” e ” Fisiologia da Família”. E Fisiologia da Idade parece ser uma sequência natural a essas narrativas.
Neste, o narrador Ricardo Lísias, que acaba de completar 40 anos de idade, tenta fugir de seus textos, afirmando que não quer escrever sobre os últimos 20 anos de vida. Acaba se propondo a falar então sobre os primeiros 20 anos, tentando reviver suas primeiras leituras, supostamente as mais marcantes, e entender suas próprias referências literárias. Ao levar o projeto adiante, vê-se à voltas com reflexões sobre o cenário atual da literatura brasileira. Em certo momento, ele se pergunta:
“Como o Brasil chegou a um número tão grande de romances que não incomodam ninguém?”
O texto assemelha-se a um fluxo de memória, com uma narrativa fragmentada e palavras “engolidas” propositalmente. Há fragmentos de quadrinhos, numa tentativa forçada de reviver a sensação infantil da descoberta da leitura, tuítes, até um boleto bancário que compõem e complementam a história contada.
“Aliás, não paro de telefonar para os meus editores, pedindo para ser convidado para a.”
Espalhando pistas sobre a natureza do narrador – falsas ou verdadeiras – Lísias, assim como em suas obras anteriores, gera no leitor algo que beira um embaraço durante a leitura. Seu texto é instigante, provocativo. Não há, nele, a intenção de indicar uma conclusão, conduzir a um desfecho. E essa narrativa aberta, aparentemente inacabada, provoca reações diversas nos leitores. Não é à toa que tantos se sentem ultrajados por não existir um limite claro entre o que é realidade e o que ficção. Mas, afinal, isso importa?
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Texto de autoria de Cristine Tellier.