Flores Artificiais (Companhia das Letras), de Luiz Ruffato, é um livro polifônico, cosmopolita e com grande valor literário baseado em um tema caro ao autor: a vida comum. É mais um trabalho onde o escritor mineiro explora o limite entre o real e o ficcional, o humano e o inventado, para re-construir a Literatura enquanto nova invenção do mundo, onde baseia-se na realidade, mas não a repete. A escrita consegue mais que o real, é Ruffato que nos mostra isso.
Quando informei que o livro de contos é resultado de uma vida, não exagerei. O livro é baseado em seis cadernos de cem páginas onde o engenheiro Dório Finetto escreveu suas memórias como consultor de projetos da área de infraestrutura do Banco Mundial. O autor foi procurado, por carta, pelo engenheiro (como menciona na “Apresentação” do livro), com o objetivo de talvez utilizar aquelas memórias em um livro. A proposta singular tomou mais corpo por conta de os dois homens serem da mesma cidade, Rodeio, em Minas Gerais, e do rico material biográfico enviado por Finetto.
Assim, Ruffato escolheu passagens da vida do engenheiro e desenvolveu oito contos marcados por personagens globais interpelados por um brasileiro que os encontrava por motivos de trabalho. Como o escritor deixou claro que menos da metade do material de Finetto foi utilizado para a versão final do livro, logo percebemos que o mérito de Ruffato reside na colagem ficcional que adicionou à vida daqueles personagens. O resultado é o máximo de eficiência literária possível. Histórias mirabolantes e dramáticas, pessoas ricas em todas as formas e nacionalidades e um sentimento de não-pertencimento ao mundo que reitera um dos grandes temas da Literatura e da Humanidade: a angústia de viver. Uma dúvida, porém, se faz presente em todos os contos: onde a ficção completa o drama humano? Sem lermos as memórias de Finetto, nunca saberemos a resposta. E assim o livro se torna mais saboroso.
Alguns assuntos são comuns em todas as histórias escolhidas. O principal é a guerra. O componente bélico paira como uma grande sombra extensa por todo o planeta. Nos contos, ultrapassamos golpes militares, perseguição a minorias étnicas, guerras civis, entre outros conflitos. O segundo é a família. Temos filhos à procura de pais, casamentos despedaçados, traições, arrependimentos familiares, a tragédia de compor um núcleo familiar e observa-lo soçobrar sem nutrir esforço para mantê-lo. O homem solitário, adoece.
O terceiro tema presente no livro é a memória. Histórias singulares sobrevivem pela contação do absurdo. Esse estranhamento é característica que prende o leitor ao livro e prende a vida ao inusitado de viver. Se a vida pede coragem, como bem o afirmou Riobaldo, o que temos nos contos de Ruffato são porções de realidade que desafiam a sobrevivência dos personagens enquanto sãos e falíveis. (Aliás, o falível é o notório para nosso contentamento de leitores.)
Por fim, a qualidade de Ruffato como escritor ficcional tem especial brilhantismo nesse livro globalizante. As descrições, os eventos citados, as localidades listadas, as particularidades de cada nacionalidade, os exames psicológicos, o contista é especialmente prodigioso em manter uma linha de entendimento ao compartilhar aquelas informações conosco. Uma leitura soberba para um livro soberbo. Livro muito indicado.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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