“Meninos mimados não podem reger a nação.” – Criolo
Ah, mas eles são mimados. Mimados ao ponto de, na simples ameaça de retirar ou extinguir qualquer um de seus privilégios com outros países, eles invadem seu país (que eles consideram inferior em quaisquer sentidos), e lhe fazem acreditar que essa é a melhor coisa a se fazer – porque sim. A direita não joga para perder, e é vingativa e manipulativa (ou persuasiva, como preferem dizer os marketeiros) de uma forma que a esquerda nunca parece querer aceitar. Marketeiros esses que não precisam de diploma, e sim, habilidades oriundas de uma vida de criar problemas, para apresentar soluções. A guinada da direita no primeiro e terceiro mundos não é à toa, e é isso que a recente obra do premiado jornalista americano Michael Wolff reitera, mergulhando de cabeça no fenômeno Donald Trump. Algo que foi fabricado as custas do ódio, do medo, da desinformação, e da (outra expressão publicitária) flexibilização da realidade. Muito chique. E oportuno.
O mundo não é ruim, a gente que é, e na busca pelo poder vale ficar um pouco pior. Fogo e Fúria já contém um conteúdo tão sensacionalista, e explosivo, que nem precisava ter ganho esse título. Já nascido em 2018 para ser o best-seller do jornal The New York Times, a obra expõe a articulação para o nascimento e para a manutenção do governo do playboy bilionário Donald Trump, que duvidava ser eleito presidente dos EUA até o último minuto da contagem dos votos. Por trás dele, os figurões da mídia que aceitam ir para suas festas, em especial o conglomerado Fox (desmontado após sua popular compra multibilionária pela Disney), dando toda a voz e o apoio ao símbolo que o pele laranja representa aos velhos donos dos poderes. Com o mimado dos cabelos amarelos, estava assegurado que a América iria voltar a um tempo em que existiam fronteiras no mundo, evitando as possíveis consequências financeiras de uma imigração descontrolada, e foi essa dose de exclusão, desumanidade e violência que aconteceu, como prometido, para envergonhar os grandes presidentes de outrora.
Isso porque a receita, até agora, não apresentou falhas. É criada a insegurança diante de um mundo imprevisível, e cheio de crises, e nesse meio tempo, já está devidamente vestido (como o inseguro Trump acha imprescindível estar, 24 horas por dia) um político republicano apresentando o calmante ao povo confuso: o futuro é o passado – e, junto com ele, valores ultrapassados para mascarar as novas ganâncias velhas, de sempre. Como parte inexorável aos seus planos, alguns veículos de comunicação parecem se render a eles, e os que não acreditam em suas promessas mofadas, como o já referido jornal TNYT, a eles uma guerra entre mídia e governo começa – geralmente com o primeiro fazendo seu eleitorado desacreditar do jornalismo afiado que combate suas mentiras. Ops: flexibilizações da realidade. Agora, a direita tem um novo ambiente para chamar de seu: a internet se mostrou e continua a ser uma grande frente para Trump, repleta de soldados fiéis para adorar e defender a imagem nacionalista de seu líder, enquanto ele recebe bilionários na Casa Branca que o hospeda para garantir as vontades dos verdadeiros faraós do império, cujo poder não tem prazo para acabar.
Com um acesso invejável aos bastidores do jogo político de Washington D.C., a realidade que Michael Wolff nos revela é absolutamente não partidária ao transmitir a sensação de fato em trabalhar diretamente com um despreparado Donald Trump, e a lógica presidencial conflituosa na qual sua gestão se baseia. Afinal, o confronto com ele é sempre um prazer, e a paranoia que se instalou no período pós-Barack Obama é onipresente, jogando o país e o mundo chefiado pelos EUA (no soft e hard powers que o país exporta) a sentimentos similares, possibilitando assim a existência de outros Donald Trumps, em outros hemisférios. Não obstante, seria ilusório o fato de Fogo e Fúria não evidenciar a fonte ideológica e perturbadora do “trumpismo”. Steve Bannon, merecendo aqui um capítulo exclusivo por ser o homem da vez, é o sujeito que se infiltrou na Casa Branca dentro da mala de Trump, e camarada dos que controlam todo o establishment do país do Capitão América. Para entender um, precisamos ficar a par da história do outro, no caso, de Bannon, o portador e disseminador dos valores de quem elegeu, em 2017, e dos outros projetos de Trump espalhados por ai.
Tal qual um Kevin Feige que cria seu próprio universo a seu modo, ele o compartilha ao redor do planeta com diversos atores sob uma única singularidade: o futuro é hostil, e o conservadorismo é a única arma contra ele – mesmo que seja preciso atacá-lo pelas costas para atender a interesses de velhas raposas. Com base num retrato verídico de um governo feito por teorias, e crises internas, a instigante publicação da Editora Objetiva nos deixa claro: é preciso reconhecer os nossos vilões enquanto eles não destruam o que sobrou da ética, e da cidadania que ainda temos, infectando a solidariedade dos grupos sociais de um estado, ou nação, e intoxicando os corações em troca do controle das nossas opiniões. Bannon é o estrategista que separa os povos para enfraquecê-los, e cirúrgico na ação, aplica o remédio através de quem ajuda a brilhar – mas sem confiar em ninguém, pois sabe que o cérebro criador de mitos é ele mesmo – enquanto que, no contexto americano, Trump, trabalhando na sala de Justiça mas desejando jogar golfe, finge reger o Titanic num mar que seus mentores e seu orientador supremo conhecem como a palma da mão. O mundo é uma farsa, e ironicamente, na era da informação, ele nunca pareceu tão fake quanto agora.
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