Bem e mal. Céu e inferno. Pessoas de bem e vagabundos. Sendo um tanto político e abrindo algumas aspas para falar sobre o Brasil (e claro, o mundo) de hoje, é possível afirmar que vivemos numa sociedade muito calcada no preto-no-branco, numa linha divisória que possa defini-los entre as chamadas pessoas trabalhadoras e aqueles que vivem à margem da sociedade, entre os lá de cima e os de lá de baixo. Tudo é definido dentro de uma padrão onde as pessoas, em meio a todo o histórico violento do nosso país, sua corrupção política (hoje as chamadas Esquerda e Direita estão mais ativas que nunca) e a atual crise financeira, se vêem na necessidade de garantir o seu, seja como for. O Brasil se tornou um país de necessitados, necessitados pela sobrevivência.
E no livro O Último Santo, publicado pela Editora Novo Século através do selo Talentos da Literatura Brasileira, o escritor Rafael Padilha indaga, já em seu primeiro livro: e se houvesse uma forma tão radical quanto divina de dar cabo aos bandidos, ladrões, estupradores e traficantes? Digo “forma divina” pois sabemos que, hoje, a religião e a política insistem em se misturar mais que nunca. E se, de repente, um aparente membro qualquer da sociedade, um cidadão comum, começasse a fazer justiça com as próprias mãos alegando estar sendo protegido por seu respectivo santo de proteção? Seria isso tão difícil de se aceitar? E mais ainda, seríamos assim tão contra tal atitude, ou simplesmente nos confortaríamos com a violência finalmente sendo “erradicada” por um dos nossos? Estamos tão longe assim disso?
Em seu livro, Padilha fala sobre Jorge, um justiceiro misterioso que surge em meio a um Rio de Janeiro caótico, distorcido e violento, e nos pontos onde acompanhamos a narrativa do ponto de vista do personagem, nos é dito que o homem é protegido pela figura (vista apenas por ele) de São Jorge, tido como o padroeiro dos lutadores e guerreiros. Eliminando traficantes, bandidos e estupradores numa velocidade assustadora, é quase de imediato a aceitação de uma sociedade apavorada (e também oportuna) com as atitudes do tal Santo (como o próprio começa a ser chamado), enquanto que a busca das autoridades, entre elas o policial Ramos e a médica Priscila, começam a levá-los por caminhos que possuem mais a revelar do que apenas a real identidade do Santo.
Não há grandes sutilezas na escrita de Padilha, e nem há motivos para ter. Cada parágrafo parece dedicado a acentuar a corruptividade de uma realidade que é a nossa, dominada por um sentido animalesco que justifica a violência contra a violência, que põe uns acima de outros, que privilegia quem está em cima, e quem está embaixo apenas conta consigo mesmo. Se Padilha pode aparentar um certo didatismo, isso se justifica pela opção em deixar claro o círculo vicioso promovido pela violência e pelo senso de justiça das próprias mãos. Padilha é bastante hábil em pintar esse cenário na mente do leitor, construindo cada ambientação através de uma escrita fluída e que, driblando o risco, é perfeitamente acessível para o acompanhamento e compreensão de cada movimento dos personagens. Ajuda muito os cenários familiares por onde a narrativa anda.
Mais curiosa ainda é a opção arriscad e inusitada de “sumir” com o personagem do Santo em determinado momento da leitura. Padilha é inteligente ao utilizar o Santo como um mero elemento que catapulta o caos interno de uma sociedade enraivecida pelos crimes e assassinatos de cada dia. Cada nova “pequena” situação mostrada pelo escritor a partir daí é uma forma crescente de acentuar, principalmente, o senso de grandeza promovido pelo fanatismo religioso, pela crença no divino que lhes crê estar acima de tudo e todos, onde o sangue por sangue lhes torna ali tão assassinos quantos os próprios que são condenados a pagar por seus pecados. O clímax, uma reflexão/consequência natural de todos os ocorridos, é de uma relevância assustadora, isso se um dia não se revelar profética.
Há uma certa probabilidade de O Último Santo não cair no gosto popular dos leitores. Sua escrita é ácida e crua demais pra isso (o uso dos palavreados e termos vulgares de hoje são precisos e necessários), mas temos aqui uma obra de mensagem relevante, um reflexo aparentemente fantasioso da corrupção interna e externa do nosso país, mas cujo pé-no-chão é mais firme do que aparenta. Uma leitura válida.
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Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.
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