Publicado originalmente em 2001, a obra tem um enredo grandioso e interliga personagens muito diferentes. Os dois principais se chamam Charlotte: a primeira, uma modelo com trinta e tantos anos, que depois de sofrer um terrível acidente de carro tenta reconstruir seu rosto e sua vida; a outra, filha da antiga melhor amiga de colégio da modelo, é uma adolescente imprevisível que vive numa pequena região de Illinois. Um excêntrico professor obcecado pelo passado industrial da cidade onde nasceu, um detetive particular divorciado e infeliz e um estranho enigmático que troca nomes e sotaques enquanto prepara um ataque apolítico contra a sociedade americana são outros personagens de um elenco tão diverso quanto numeroso.
Por mais que uma premissa seja interessante, que uma trama seja cativante, o modo como se conta a história importa, e muito. Se for confuso, ou trivial, ou sem graça, ou inadequado, há grande possibilidade de o leitor perder o interesse na leitura e, caso persista, encontrar-se num impasse ao chegar ao final do livro, sem saber ao certo se gostou ou não. É o que acontece com Olhe Para Mim, de Jennifer Egan.
A premissa é interessante, sim. Afinal, a história de uma modelo famosa que sofre um acidente e “perde” seu rosto leva a várias discussões sobre identidade, aparência(s), futilidade, superficialidade dos relacionamentos, consumismo. E a primeira parte do livro, apesar de o texto não fluir bem em algumas (muitas) partes, consegue envolver quem lê. Em vários trechos, tem-se aquele lampejo, aquele vislumbre de que a qualquer momento o texto irá se tornar mais fluido e a narrativa irá decolar, “carregando” consigo o leitor. Mas a primeira parte termina e isso não acontece. E a segunda parte consegue apenas fazer com que se queira chegar logo ao final.
“Após doze horas de cirurgia – durante a qual oitenta parafusos de titânio foram implantados nos ossos esmagados do meu rosto para ligá-los e prendê-los; após eu ter sido cortada de orelha a orelha no tampo da cabeça para o Dr. Faberman poder puxar para baixo a pele da minha testa e prender novamente os ossos das minhas maçãs do rosto à parte superior do meu crânio; após terem sido feitas incisões dentro da minha boca para ele poder conectar os meus maxilares inferior e superior; após onze dias durante os quais minha irmã tremia ao lado da minha cama de hospital como um anjo apreensivo enquanto seu marido, Frank Jones, que eu detestava e que me detestava, ficava em casa com as minhas duas sobrinhas e o meu sobrinho – , tive alta do hospital.”
(p.12)
Vários fatores contribuem para esse resultado. A quantidade grande de linhas narrativas. A de Charlotte, a modelo, é narrada em primeira pessoa; todas as demais, em terceira. Por si só, já é um motivo de incômodo, mesmo que passageiro. Além de dar a impressão de que a autora não conseguiu se decidir entre ter um único ponto de vista ou ter vários, o narrador em terceira não tem limites definidos, oscilando entre o narrador demiúrgico, onisciente, e o oculto – que deveria ater-se apenas ao que determinado personagem vivencia. Se é uma liberdade estilística, se era intenção da autora desnortear ligeiramente o leitor, não tenho como afirmar. Mas compromete a fluidez da leitura.
Ainda sobre as múltiplas linhas narrativas, qualquer leitor mediano irá esperar que em algum momento elas se entrelacem ou ao menos que se influenciem. E isso acontece, sim, porém quase no final do livro. Como se de repente a autora percebesse que o fim estava próximo e resolvesse fazer as linhas narrativas convergirem em menos de dez páginas, o que deixa tudo muito “corrido” e, por conseguinte, pouco convincente.
A prosa é poética. Aliás poética até demais, chegando a ser prolixa em muitos trechos. Não li outros livros de Egan, então não tenho parâmetro de comparação. Pode ser que esse seja seu estilo de escrita. Mas fiquei com a impressão de que ela estava “jogando conversa fora”, com trechos banais e até mesmo cenas inteiras que não acrescentam e nem fazem a história avançar, principalmente os excertos das dissertações da Charlotte adolescente. Muito poderia ser cortado, deixando o livro menos extenso e a leitura menos tediosa.
Talvez eu tenha iniciado a leitura com expectativas demais, depois de tantas críticas positivas do livro da escritora anteriormente publicado pela editora Intrínseca, A Visita Cruel do Tempo. Talvez se eu o tivesse lido na época do lançamento, em 2001, a história assumiria mais importância, e o esforço da autora em demonstrar como os norte-americanos veem a si e aos outros e como são vistos sobrepujaria a mornidão da narrativa.
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Texto de autoria de Cristine Tellier.