Há pouco tempo eu tinha prestado atenção e ficado de olho no romance de Rafael Lima, Os Reis do Rio, lançado pela Editora Draco na metade deste ano. O motivo é um só: se passa em um mundo apocalíptico anos após um inverno nuclear, mas nesse caso não é em uma pequena cidade estadunidense, a trama se passa em um Rio de Janeiro destruído por armas nucleares. Sim, isso mesmo, o ambiente de um futuro nuclear é o Rio de Janeiro. Só pela coragem de colocar a realidade de uma cidade brasileira neste mundo varrido pelas bombas o livro já merece ser lido e o autor parabenizado.
Pequena sinopse: William Costa, mais conhecido como Will, sai em busca do seu irmão Eduardo, que foi sequestrado pela Radius, organização que reina sob o caótico Rio de Janeiro de 2189. Morador do bairro afastado de Grota IV, Will sai acompanhado de Lia, namorada de Edu e Ulisses, um tiziu, rumo a cidadela de Iraputã, base da Radius, na aparente missão suicida de resgatá-lo, entre armas de plasmas e harpias.
O livro tem uma leitura bem ágil e um bom ritmo. O ótimo trabalho de edição priorizou as cenas dramáticas e de ação, permitindo com que a narrativa diminua em poucos momentos para voltar ao crescente logo depois. Em especial, a sequência do bosque descrita no capítulo 7 é simplesmente de tirar o fôlego, uma das mais bem escritas cenas de ação em um livro que eu já li, o Jackson vai adorar o massaveístico da cena. Entretanto, duas ressalvas: boa parte das cenas de ação ao longo do livro poderiam ser um pouco mais descritivas ao invés de contadas, p. ex, na página 201, ao invés de “Pelo retrovisor, o […] viu os […] dispararem mais algumas vezes. Depois, executarem […] com uma bala na cabeça”, Rafael poderia relatar que: “viu pelo retrovisor chegarem perto dele, aproximarem a arma e atirar na sua cabeça”; outro incômodo é a falta de explicações posteriores para as siglas que aparecem constantemente durante a narrativa, p. ex: GTOE, RRL, por várias vezes o leitor pode vir a se confundir e se esquecer o que elas são.
Outro ponto positivo são os diálogos. O autor abusa de expressões atuais da realidade dos cariocas, tornando a maioria dos diálogos coloquiais que soam verídicos para o leitor, eis um exemplo: “Vou esquentar uma carninha de gato. Você quer?” (pág 193). Talvez quem não for muito familiarizado com o carioquês pode se sentir incomodado. Também há poucos diálogos que soam falsos, mas são poucos, p. ex, na explicação de um personagem (pág 139), que apesar de interessante é explicativa demais. Vou evitar colocá-la aqui para não dar spoilers.
Quem conhece o Rio de Janeiro vai gostar bastante de saber o que aconteceu com os principais pontos turísticos da cidade. Novamente, para não estragar a experiência do leitor, vou evitar colocá-los aqui, mas saiba que os principais pontos estão lá, e o que aconteceu a um deles em especial é simplesmente fantástico. Para quem não conhece a geografia da cidade, faltou um mapa para situar melhor o leitor, o que pode ser um incômodo.
Por último, a obra é muito bem escrita e a narrativa fluente deve agradar. Temos ao longo do livro alguns trechos interessantes, tais como: “o […] sentia-se, de uma forma jamais experimentada, livre para fazer o que sabia de melhor. O que nascera para fazer. Livre para escrever, naquele terreno maculado por gritos de dor, sangue e cheiro de carne queimada, seu poema mais belo. Cada farda negra tombada, um verso, que rapidamente formavam estrofes, repletas de tropos fumegantes” (pág 253).
Porém, para quem busca maiores reflexões, faltaram mais camadas no livro. Relacionando com The Walking Dead, que após o arco da prisão se revela a premissa do Robert Kirkman: os vivos são piores ameaças aos sobreviventes do que os próprios zumbis em um mundo pós-apocalíptico, aqui faltou uma maior reflexão do autor com a obra, ou perguntas e/ou questionamentos maiores que poderiam ser gerados a partir de alterações nas situações chaves ao longo do livro.
Mais um ponto para a Editora Draco pelo excelente tratamento gráfico da capa e competente acabamento das partes internas, deixando a leitura agradável, ainda mais com o tipo de papel escolhido; e também por apostar no livro do Rafael Lima, ampliando mais ainda o seu já extenso catálogo de literatura especulativa.
Vale a leitura? Sim, se o leitor for do Rio de Janeiro ou familiarizado com a geografia e os costumes cariocas, ou simplesmente para quem quiser aproveitar a experiência de um mundo pós-apocalíptico no Brasil, o livro é bastante abrangente, não se restringindo ao nicho pós-apocalíptico.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.