Qualquer um que utilize com frequência o transporte público, um dos poucos locais de leitura por excelência dentro dos grandes centros urbanos, deve ter percebido que, nos últimos anos, cresceu imensamente a popularidade dos livros baseados em jogos de videogame. Não é preciso andar muito ou procurar com tanta atenção para encontrar alguém com um romance situado nos universos de Assassin’s Creed, Resident Evil, e afins, debaixo do braço. São, em grande parte, jovens – uma molecada que talvez tenha começado a consumir literatura justamente por, enfim, ter algo que realmente a interesse sendo publicado com regularidade.
Apoio completamente esse movimento do mercado, que, além de ser inteligente do ponto de vista comercial, também abre portas para que uma nova geração de leitores mergulhe no universo dos livros. Eu sou tão novo quanto a maioria desses leitores aos quais me refiro, mas me encontro do lado inverso da moeda: sou completamente ignorante no tocante a games, e tenho pouco, quase nenhum interesse nos subprodutos por eles originados. A bem da verdade, Total War: Rome – Destruição de Cartago foi meu primeiro contato com essa vertente recente da literatura, e me sinto contente em constatar que não foi uma experiência de todo ruim.
Jogo de estratégia, Total War não é um das maiores franquias da atualidade, e, analogamente, esse romance escrito por David Gibbins e editado pelo selo Galera Record sem dúvida não é um dos grandes lançamentos do meio. Isso, no entanto, acaba por se tornar um ponto positivo, pois dispensa o leitor de possuir qualquer conhecimento prévio para apreciar a aventura – mesmo por que tanto o livro quanto o jogo se baseiam, com altas doses de liberdade, em fatos reais. A história narrada é a de Fábio Petrônio II, um legionário romano que, com seu general, Cipião Emiliano – figura que acaba por roubar o protagonismo –, deixou sua marca na história militar da Idade Antiga, sobretudo no cerco de Cartago.
A obra poderia ser – e em diversas passagens de fato parece ser – pouco mais que uma narrativa boba, concentrada na descrição de batalhas sangrentas, entrecortadas por uma história de amor convencional entre Cipião e Júlia, membros da linhagem de César. No entanto, o diferencial do romance se encontra em um aspecto inusitado, que é seu cuidado no tratar da História: o canadense David Gibbins, arqueólogo e historiador de formação, demonstra grande domínio do assunto em cada uma de suas longas descrições da geografia do período e dos hábitos dos antigos, levando o leitor não só a crer, mas também a se interessar pelos acontecimentos narrados. Uma nota introdutória – que, além de apresentar os fatos indispensáveis à compreensão do enredo, contém dois úteis mapas dos locais onde se passa a ação –, e as notas finais do autor, em que é explicado o longo processo de pesquisa que levou à construção do livro, atestam sua paixão pelo tema.
No entanto, ainda que consiga tornar a leitura mais imersiva e interessante, o entusiasmo do autor funciona como uma faca de dois gumes, uma vez que, devido a sua minuciosidade, por vezes transforma o que seria um exercício literário simples, como a descrição de um murro ou de uma planície, em um texto prolixo e didático, desprovido de ritmo. Hábil em entreter-nos por mais de 300 páginas, David Gibbins consegue salvar a obra da sanguinolência descerebrada que, admito, eu esperava ao abrir o volume pela primeira vez; mas ele não consegue, infelizmente, levar essa aventura para além do campo da mediocridade. Entre batalhas e romances nada originais, Total War: Rome – Destruição de Cartago é o perfeito exemplo de uma corrente contemporânea da literatura cujo maior mérito se encontra em seu poder de atrair leitores, e não na qualidade das tramas a eles entregue.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.