Só a gente sabe a delícia e a dor de ser, quem se é. Essa afirmação cabe muito bem no início de uma análise do famoso Um Romance de Geração, indo assim à essência desta peça teatral transcrita em romance literário. Lançado logo no período final do regime militar do Brasil, em 1980, temos aqui uma peça de dois personagens conosco sendo o terceiro a habitar um minúsculo apartamento, num verão acachapante em Copacabana, no Rio de Janeiro. Ela, uma jornalista tentando trabalhar com seu gravador, seus pudores e suas dúvidas. Ele, um escritor bêbado com problemas existenciais e insatisfeito com sua vida insignificante, e que se prestou, foi para lançar uma espécie de best-seller e ser reconhecido exclusivamente por isso – inclusive pelas mulheres que pegou por isso, e a pouca fama conquistada, desde então.
Compondo um panorama sobre os anseios, questionamentos e o comportamento de uma geração marcada pelo regime político imposto a ela, Sérgio Sant’Anna nos conduz através de um brilhante dinamismo literário pela aventura de uma aventura inesquecível que, inicialmente, seria sobre a literatura brasileira vivendo o impacto da ditadura. Contudo, o escritor exerce com toda sua trajetória profissional e pessoal de vida um poder incomensurável sobre os rumos desta empreitada jornalística, e Ela (como é chamada ao longo de toda a leitura) não evita em mergulhar nas palavras d’Ele (como também é assim dirigido), tal uma confidente a quem ele não consegue resistir, e desabrocha seus prazeres e angústias como se conhecesse a mulher a mais tempo que suas ex-esposas com quem casou, já prevendo o apocalipse, a seguir.
Boêmio, o escritor narra sua vida a base de cigarros e amargura, feito um célebre conto tragicômico a transbordar, em suas confissões. Ela, mesmo priorizando as referências a seu artigo que pretendia escrever, com a ajuda dele, não resiste ao peso da vida íntima do homem, e juntos, formam um quadro de intimidades mais pessoal que muita conversa entre marido, e mulher. É claro que eles acabam transando enquanto as cortinas fecham e a luz escurecem, mas antes de Um Romance de Geração acabar, temos a certeza de que não foi por causa da garrafa de vodca, nem pelo clima quente e tropical que tanto agita os corpos, e convida ao sexo. Usando e abusando da linguagem teatral em vários momentos narrativos de pura intensidade, e emoção, Sant’Anna vai ao âmago dos seus personagens como se, para ele, fossem velhos conhecidos, tornando-os assim, também, para seus leitores.
Reforçando o valor e a magia deste romance, substancialmente explicado no final desta edição pelo próprio autor desta publicação da Companhia das Letras, são duas mentes e dois corações vivendo e revivendo suas vidas em uma simples sala, lar de um sem número de encontros tão adoravelmente humanos quanto este livro, e isso por si só, como bem acontece aqui, já pode se tornar memorável, por natureza.