Onde você estava no dia em que Ayrton Senna morreu?
A pergunta varia de tempos em tempos, de lugar pra lugar. Pode ser sobre o assassinato de John F. Kennedy ou o atentado de 11 de setembro. Mas para os brasileiros que viveram a época mais gloriosa de nossa Fórmula 1 (ao menos em nossa idílica memória), o dia em que Senna se acidentou fatalmente diante de nossos olhos ficou marcado para sempre. Ao conversar um pouco sobre a vida de Ayrton Senna com pessoas ao meu redor, notei o quanto todos pareciam demonstrar uma grande emoção ao relembrar daquele dia. A história acaba sendo suprimida, e o mito toma seu lugar. Se Senna foi um grande corredor em sua época, nos dias de hoje ele alcança quase um status divino no panteão de heróis nacionais.
E é esse espírito emotivo que a HQ Ayrton Senna – A Trajetória de um Mito evoca. Escrita por Lionel Froissart – jornalista francês apaixonado por corridas de automóveis e amigo pessoal de Senna – e desenhada por Christian Papazoglakis e Robert Paquet, a graphic novel apresenta quatro histórias curtas que mostram o início e o fim da carreira do piloto. O estilo de narrativa e os recursos gráficos utilizados nas belíssimas ilustrações fogem do que estamos acostumados a ler na mídia mainstream, deixando a marca de quadrinho europeu bastante evidente. É interessante notar a forma como o roteiro e o desenho se completam. Se o leitor desatento apenas folhear suas páginas, poderá erroneamente pensar que a qualidade dos desenhos se assemelha às antigas propagandas do Instituto Universal Brasileiro que circulavam nos gibis dos anos oitenta. Ledo engano: o traço leve e detalhado dá movimento às cenas de corrida, e a narrativa dá o tom de emoção que uma obra como essa depende para funcionar. Em alguns momentos, o leitor pode ver-se realmente tenso entre uma volta e outra das pistas de corrida. A riqueza de detalhes dos desenhos se mostra também nas marcas dos patrocinadores nos carros e uniformes dos corredores: nenhuma é suprimida, como seria de se esperar em uma obra como essa.
O número de quadros por página é bastante alto. Temos uma média de dez, mas algumas páginas chegam a doze ou até mesmo catorze quadros. É algo bastante diferente do que estamos acostumados nos quadrinhos nacionais, até mesmo pelo número relativamente baixo de páginas: apenas cinquenta, contando a capa. Além disso, a fonte usada nos textos e os balões de fala retangulares podem causar certa estranheza ao leitor. Mas as histórias são muito bem contadas.
A primeira mostra Senna ainda criança, em corridas de kart, e introduz uma parte importante de sua mitologia: seu melhor desempenho em dias chuvosos. A segunda história mostra seu relacionamento com pilotos e empresários brasileiros, dando um grande destaque a Emerson Fittipaldi. A rivalidade com Nelson Piquet é sugerida, porém não muito explorada, e acaba ficando subentendida. Na terceira história, Senna já alcança um patamar de ídolo, e vemos os problemas que enfrenta com empresas e patrocinadores. Na quarta e última história, temos seu capítulo final: a troca da McLaren pela Williams, o acidente e o início do Instituto Ayrton Senna.
Ao sustentar-se principalmente nas emoções, o livro é bastante competente no que se propõe. Fica impossível, para quem tem mais do que trinta anos, não se lembrar daquele dia fatídico. Não importa se você era ou não fã de Fórmula 1, sempre irá se lembrar onde estava no dia em que Ayrton Senna morreu.