Milo Manara é um autor polêmico, seus quadrinhos normalmente tratam de erotismo, sobretudo tomando o nu feminino ou como norte ou como algo tão natural que precisa sempre ser retratado em papel e nanquim. O compilado Câmera Indiscreta não é diferente, reunindo algumas pequenas historias que tem em comum uma brincadeira com questões fotográficas, além da obvia referencia ao nome do filme de Alfred Hitchcock, Janela Indiscreta, fazendo um comentário de metalinguagem aliando sua arte ao fazer cinematográfico. No Brasil, o quadrinho foi trazido pela Editora Veneta, que vem trazendo algumas historias de autores italianos.
No Prologo desta edição, Manara fala sobre o diretor italiano Federico Fellini, que seria o primeiro personagem homenageado neste encadernado, e na dificuldade que o “grande mentiroso” tinha com questões publicitárias.Incrivelmente, a maior parte das historietas lida com o volúvel e fútil ambiente e cenário de bastidores da propaganda, quando não, fazem homenagens a artistas famosos.
É engraçado o inicio fazer pouco uso do corpo da mulher como instrumento narrativo, em Publicidade e Fase Azul, mesmo 3X (que trata de libido e observação de fora, no caso, um alienígena), não há uma utilização tão larga ou alardeada da figura da mulher como um objeto. Esse certamente serve como argumento para despistar a pecha de autor tarado normalmente atribuída a Milo.
Se nota – além claro das falas do prefácio – uma obsessão e admiração pelo também quadrinista Moebius, seja no traço inicial dele, como na fluidez com que suas páginas correm, ainda que para Manara, não haja muito como imitar o artista francês. A compilação é formada por revistas da França e Itália, entre elas, a mesma Frigidaire onde Mattioli fez Squeak The Mouse. A sexualidade é mostrada de maneira hermética, com propósitos narrativos diversos, não é gratuita. A primeira vez que mostra sexo, brinca com questões espirituais e de tragedias.
A historia que dá titulo a publicação é maior que as outras compiladas. A coincidência de assunto envolve o voyeurismo e o nu da mulher como alvo de critica, não pelo fato de se sentir natural sem roupas, mas a mercantilização e depravação provinda desse tipo de consumo. Aqui, abre-se a discussão sobre a pornografia, se ela se origina do desejo por ver gente nua ou se ter acesso a isso causa nas pessoas a necessidade desse tipo de fetiche em mercadoria.
O foco em Mel (personagem protagonista da ultima historia) dá vazão a algumas manifestações bem estranhas de modos de fazer pornô, mas mesmo que haja muita insinuação do sexo, não há tanta exposição da relação em sim, não de forma explicita ou “hardcore”. Manara foge de pecha de só mostrar nudez gratuita, o fato de não ter vergonha de mostrar o sexo e a lascívia não é sinônimo de perversão, e a função desses aspectos de nudez e sexo tem sentidos e intenções diferentes, compilados aqui até para agredir e desagradar a tara das pessoas, para incomodar falsos moralismos e nisso, há um acerto tremendo.
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