Um aspecto interessante da vertente virtual do atual mercado de entretenimento é a aproximação entre produtores e consumidores, sobretudo por meio das redes sociais. Os comentários lançado no Twitter de um autor de nosso agrado, por exemplo, tende a revelar traços desconhecidos de sua personalidade. Em especial, é interessante descobrir que, como nós, esses realizadores são também consumidores que admiram determinadas pessoas e se inspiram em determinadas obras. No mundo dos animes e mangás, é bastante comum que autores citem e comentem obras de terceiros, seja na mídia impressa, “oficialmente”, ou no meio digital, de modo mais pessoal.
O aclamado novelista Ryohgo Narita, autor dos sucessos Baccano! e Durarara!! é um exemplo apropriado, não apenas por comentar regularmente séries que acompanha, como Fate/Zero e Bleach, em seu Twitter (@ryohgo_narita), mas principalmente por ir um pouco além em sua apreciação, deixando de ser um mero consumidor para tornar-se criador. Em suma, Narita, além de idealizador de seus próprios títulos, é também um autor de fanfics (fan fiction, ficção de fãs), ou seja, alguém que escreve estórias se apropriando de outro universo ficcional, podendo ou não usar personagens já estabelecidos. Entretanto, por ser um autor de renome – embora a qualidade de seus contos, poucas vezes encontrada nesse tipo de escrito, não deva ser ignorada –, Narita consegue o que para a maioria dos fãs é um mero sonho: publicar oficialmente essas estórias. Suas light novels Toaru Jihanki no Fanfare, que se passa no amplo cenário da franquia To Aru Majutsu No Index, e Spirits Are Forever With You, uma side-story do sucesso mundial Bleach, receberam elogios, apoio e colaboração dos criadores originais, Kazuma Kamachi e Kubo Tite, respectivamente, e alcançaram o feito de serem canonizadas, ou seja, tornarem-se parte oficial desses universos. E este é apenas um entre inúmeros casos. O notório novelista Nisio Isin (NisiOisiN) foi igualmente feliz ao publicar, em 2006, Death Note – Another Note: O Caso dos Assassinatos em Los Angeles, intrigante história ambientada no realístico mundo de um dos mais populares mangás da década passada, Death Note, de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata.
Narrado em forma de notas por Mihael Keehl, o Mello, um dos mais importantes personagens da por muitos odiada segunda fase da história original, o livro consiste num relato informal sobre um evento citado uma única vez pelos idealizadores de Death Note. Embasado na afirmação feita no segundo volume do mangá por Naomi Misora, agente reformada do FBI que protagoniza uma das mais interessantes passagens do roteiro de Ohba, que diz já ter trabalhado com o misterioso L, o maior detetive do mundo, anos antes do maníaco Kira começar a agir (informação aparentemente irrelevante, esquecida ou simplesmente relevado por muitos leitores), o autor criar um thriller policial nos moldes clássicos, desafiador e imprevisível, destrinchando o caso em que L e Misora trabalharam juntos para deter o metódico serial killer conhecido como Beyond Birthday, o Caso dos Assassinatos em Los Angeles.
A premissa, extraída de uma minúscula brecha deixada no material original, já demonstra a criatividade e habilidade textual de Nisio Isin, atestada a cada frase e parágrafo de (quase) todo o livro. Deixando de lado os ostensivos diálogos de muitas camadas, que perduram por páginas a fio e caracterizam seus maiores sucessos, com destaque para a série Monogatari (da qual já forma adaptados televisivamente os volumes de Bakemonogatari e Nisemonogatari, tendo Kizumonogatari sido anunciado como longa-metragem com previsão de estreia ainda para 2012), nesta obra temos um Isin bastante descritivo, que se certifica de expor em detalhes os cenários e ocorridos, soltando pistas para que, como em qualquer bom livro detetivesco, o leitor reúna em sua mente as peças do quebra-cabeça e, caso capaz, desvende-o antes do término das 173 páginas que compõem o romance.
Engenhoso nos assassinatos e cenas de crimes, o autor desenvolve um sagaz e obscuro jogo intelectual entre o assassino e os detetives, esporadicamente aliviado por pitadas de humor negro e sarcasmo do onisciente narrador, e diálogos afiadíssimos, quase embates verbais entre dupla, ou melhor, trio de personagens que preenche a narração. Deixando-nos cientes das regras e perto das respostas (mas nunca perto o bastante) o romance se mantém interessante até a conclusão. Mas, infelizmente, apenas até a conclusão do caso em si, sucedida por um verborrágico e desnecessário epílogo, que destoa por completo do restante deste belo suspense.
Embora não seja impecável, Death Note: Another Note – O Caso dos Assassinatos em Los Angeles é, em meio a tantas iniciativas infelizes que infestam os mundos do cinema e dos quadrinhos, um excelente prelúdio do mangá, recomendado a todos os seus fãs. Com um preço nada amigável (R$ 29,90), o livro foi lançado em nossas terras pela Editora JBC. E mesmo que a edição não faça valer o valor exibido na capa, o conteúdo certamente o faz.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.