Não sou um leitor assíduo de livros, mas busco sempre ler alguma coisa, principalmente autores considerados como clássicos e de destaque. Um desses autores é justamente José Saramago, que é sensacional, leitura mais que recomendada. De sua obra, um dos livros que mais me impressiona é justamente Ensaio Sobre a Lucidez, que mostra que por traz do excesso de regras e de nossa burocracia o caos espreita, basta uma pequena falha para o sistema caia em um imenso efeito dominó.
Em A Gigantesca Barba do Mal, de Stephen Collins, a temática é justamente como a lógica e o extremamente sistemático encobrem um mundo de caos que está prestes e pronto a emergir de forma gritante e absurda. A temática é sobre Dave, uma pessoa normal em meio a uma sociedade totalmente organizada e padronizada, tudo funciona como deveria funcionar. Até o momento em que a barba de Dave começa a crescer de forma monstruosa e incontrolável, trazendo a desorganização e o caos para o antes mundo perfeito. Parece simples, mas a forma como o autor trata o tema e os seus desdobramentos é impressionante.
Em primeiro lugar se destaca o extremismo da organização da sociedade, tudo obedece a uma lógica quase que geométrica, a arte do gibi deixa isso bem claro. Imagine como se tudo tivesse um lugar, a sua máxima capacidade de extensão e o seu objetivo. Assim, era o “Aqui”. Exatamente, para deixar bem claro a dicotomia entre o organizado e o caos a sociedade fictícia em questão era uma ilha chamada de “Aqui”, símbolo de organização, e o além mar era o “Lá”, símbolo de caos e o que deveria ser evitado. Para tanto que as casas a beira mar eram viradas para o continente e não existia portas ou janelas que proporcionassem vista para o mar. Curiosamente quanto mais próximo do mar menor o seu valor de mercado. Em outras palavras, o mar e a desordem deveriam ser totalmente evitados.
Toda essa situação muda a partir do momento em que a barba de Dave começa a crescer de forma rápida e totalmente desproporcional, e para além disso se tratava de uma barba que não poderia ser aparada ou o seu crescimento parado. Essa situação faz com o que o caos passe a surgir naquela sociedade aparentemente perfeita. O primeiro a sentir isso é o próprio protagonista que perde o emprego e passa a não ser aceito em alguns estabelecimentos comerciais. A situação, e o tamanho da barba, chegam a se tornar problema de segurança nacional em que o governo passa a se preocupar e tem de resolver o problema.
Porém, o mais interessante são os pontos que o autor trata a partir da barba. O primeiro deles é a não aceitação do diferente, que passa a ser discriminado na sociedade por ostentar essa barba. Em que se pode perceber claramente a alusão a vários movimentos de contestação a tudo aquilo que considerarem diferente ou errado. Chega ao ponto de cartazes de grupos políticos e religiosos antibarba.
Mas também a visão do caos como algo bom. A partir do momento da existência da barba muitas pessoas passam a se questionar do ponto de vista estético e resolvem mudar a sua aparência. Tudo bem que não foi bem uma opção, mas elas mudam o visual e passam a gostar dessas mudanças.
Também se deve notar a posterior incorporação da barba como um aspecto mercadológico, com o museu da barba com camisetas e souvenir para os consumidores. Além de livros, documentários e filmes sobre o mesmo. É a clara percepção de que uma coisa que era mal vista, passa a ser aceita e até mesmo fruto de incorporação comercial.
Isso tudo com a barba como símbolo da transgressão, que mostra bem um aspecto da nossa própria sociedade. A barba que era vista como coisa de gente contestadora, hoje em dia é moda e existe até barboterapia, ou seja, foi assimilada pelo mercado.
Como uma aspecto importante da história a obsessão do protagonista pela música eternal flame, da banda The Bangles cuja letra casa muito bem com a HQ e o clipe é gravado a beira mar, uma clara alusão ao mar de “Aqui” e “Lá”.
Enfim, obra mais que recomendada, que deve ser lida mais de uma vez, e que faz com que pensemos em muitos temas e na nossa própria sociedade.
Compre: A Gigantesca Barba do Mal.
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Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.
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