“Essa é uma região grande, e gelada. Coisas ruins acontecem aqui, sabia?”
No inferno a gente dança conforme a música, é o que dizem. Não só isso, obviamente: ou se acostuma com o calor, ou se sofre para sempre. John Constantine sabe que lá embaixo não tem nada de calor, mas frio, indiferença, um gelo infinito mais forte e mais rigoroso que qualquer horror já cometido pelo homem. Contudo, aqui em cima, o inferno de cada um vem na forma de chamas e labaredas, muitas invisíveis, muitas chamadas de Amor para alguém como o mestre do ocultismo Constantine; aquele que precisou atravessar nossos piores pesadelos para descobrir ainda ser capaz de sentir compaixão pela mortal e frágil condição humana.
O oitavo volume da série Origens, do escritor britânico Jamie Delano, começa como deveria: revirando a falta de humanidade no sádico, fatalista, bissexual e arrogante detetive britânico cuja sanidade, quase sempre, é colocada à prova. Em A Horrorista, na história do seu envolvimento além de níveis puramente carnais com a doce e jovem Angel, a trama, cujos contornos dramáticos são impressionantes, revira o coração dele para que os boatos (mais do que justos) sobre a frieza de Constantine possam ser contestados. É claro que o romance acaba em morte, um óbito intenso também devido aos traços abstratos e desconcertantes de David Lloyd (de V de Vingança), já que todos que se envolvem com a mais amaldiçoada figura das HQ’s terminam suas vidas de maneiras tenebrosas.
Mesmo com ele não se permitindo sentir algo além da própria amargura, Angel é a água mole que penetra na muralha, brevemente, antes que o mundo que arde e sempre grita ao redor de Constantine faça o mal tomar formas inesperadas em seu cotidiano maldito, e em constante movimento. Por um mero instante, ele se lembra do afeto entre dois seres (ou se desvirginiza sobre isso), e consegue olhar para alguém sem enxergar o pior ou o mais perigoso lado da alma de quem encara. Homem que já foi longe demais em suas experiências sobrenaturais, o personagem já fez aparições em outras grandes e populares sagas, como a de Sandman, de Neil Gaiman, ou a de O Monstro do Pântano, aonde de fato surgiu, nos ricos anos 1980.
Já na segunda história, Sangue Ruim (menos interessante, e mais caricatural aos temas que rondam Constantine) vemos a monarquia inglesa em profunda crise institucional, prestes a ter uma Inglaterra mergulhada em guerra civil. Com o Reino Unido literalmente em chamas, o caos se aloja mesmo é dentro de cada cidadão, em comportamentos perturbadores mas não o suficiente para surpreenderem o detetive da escuridão, já velho e ainda mais escroto, como se fosse possível – e é. Nesta segunda trama dentro do encadernado da editora Panini, com o traço de Philip Bond mais alternativo, e até mesmo colorido e vivaz. A mensagem aqui é clara: o inferno são os outros, mas todo mundo acaba saindo queimado.
O mago inglês, criação do verdadeiro bruxo Alan Moore (Watchmen, Um Pequeno Assassinato), entende de inferno melhor até do que deveria entender, e provavelmente, é o único homem que já conseguiu sair “ileso” quando o assunto fica pesado e sombrio demais – como se desse para esquecer algumas coisas… e, por mais simples e corriqueiras que sejam essas histórias do Volume 8, do arco Origens da série Hellblazer, longe de serem tão memoráveis quanto as tramas do impagável arco Infernal, também publicado no Brasil pela Panini, John Constantine é um daqueles personagens que tornam qualquer situação tão irresistível de se acompanhar, quanto a presença de uma súcubo no quarto de alguém sem mais nada a perder.