Crítica | O Inimigo do Povo
Uma cidade norueguesa está sendo envenenada pelas próprias águas, com uma tubulação tão antiga que está contaminando toda a parte hídrica, valiosa não apenas para os cidadãos, mas para alimentar as fontes terapêuticas que atraem muitas turistas e fomentam a economia local. Negligência, ou não, o prefeito Peter Stockmann não reconhece os perigos literalmente sob os pés da população, e é preciso que o seu irmão, o doutor e cientista Thomas Stockmann, retorne de viagem e, por acaso, descubra o problema. Ao escrever um artigo científico para ser publicado no jornal da cidade, o The Messenger, Thomas, cego por sua responsabilidade profissional, esquece que está comprando briga com a prefeitura e que Peter não precisa de polêmicas nem denúncias para ter de manipular na sua gestão. Assim, logo notamos que a verdadeira contaminação não é só pela água, mas sim a das mentes e corações do povo pelo poder público.
Inimigo do Povo é, portanto, sobre peitar o poder vigente e as consequências disso para o homem de bem que só quer fazer as coisas do jeito certo. Neste caso, o Dr. Thomas, que ao descobrir a contaminação da água da cidade na qual acabou de voltar, confia que as autoridades vão resolver o problema. Mostrando-se inteligente, mas ingênuo – ovelha que confia nos lobos por não ver suas presas. Logo, inicia-se a cruzada teimosa do Dr. Thomas para informar o público de uma possível pandemia caso os canos da cidade não sejam trocados. Incomodando cada vez mais quem não quer gastar dinheiro na reforma subterrânea, e não hesita em jogar a opinião pública contra a ciência (É o Brasil do Coronavírus?). Novamente, Steve McQueen se entrega a um papel de pura ética profissional, interpretando homens que fazem a coisa certa, custe o que custar.
Temos então construída uma dupla jornada para que Peter esconda os fatos de uma comunidade pouco civilizada, criando uma conspiração, e para que o Dr. consiga de fato provar a gravidade da situação e não seja silenciado pelo seu próprio irmão, o prefeito Peter (que não se compromete, nem acredita muito no tamanho do problema – afinal, o turismo da cidade depende das fontes termais e não pode ser interrompido por pressão nenhuma). Uma pena o diretor George Schaefer optar por uma estética de “teatro filmado”, resultado em imagens quase sem movimento, o que pode afastar uma vasta gama do público. Na adaptação da peça de 1883, a história continua um primor de qualidade narrativa, mas o visual deixa muito a desejar – desinteressante, para dizer o mínimo. Mesmo assim, é sempre interessante assistir o homem comum contra o Governo, a aventura que brota do embate entre o certo para a população, e o mais confortável para o Poder.