Crítica | Amy
Há dificuldade em analisar uma pessoa ou objeto artístico cuja discussão ou modificação aparente ainda ecoa no presente. A ausência de distanciamento adequado pode cegar o analista, tornando-se um desafio duplo registrar uma análise de qualidade sem cair em equívocos naturais que o tempo pode ser capaz de filtrar com adequação.
Dos mesmos produtores do elogiado Senna, Amy intenta analisar o legado de Amy Winehouse, cantora com breve carreira musical que saiu cedo de cena e foi explorada ao extremo por especialistas e tabloides. Com apenas dois álbuns lançados, sua trajetória foi estratosférica e se destacou tanto pela voz quanto pelo uso constante de drogas, uma problemática que colidia seu talento musical com uma história de abusos desde a infância, em uma família sem uma estrutura tradicional e apontada como incômodo pela cantora.
A narrativa se apoia na cronologia para traçar um panorama da cantora. O primeiro erro da produção é imaginar que o público conhece sua biografia em detalhes e, assim, insere cenas cronológicas sobre a adolescência e, posteriormente, testes e gravações, sem explicar se, de fato, foram importantes para sua trajetória ou usadas aleatoriamente como registro gravado. Semelhante ao conceito de Senna, os depoimentos se apresentam somente em voz, destacando em tela o nome do declarante com imagens. A maioria dos depoimentos presentes são de pessoas ligadas à cantora, tanto de sua carreira quanto os amigos vindos da infância.
Devido à proximidade dos depoimentos, falta um alcance maior para a narrativa. Não há nenhum fio condutor de maior alcance; nenhum crítico profissional que analise a importância de Winehouse no cenário musical, repórteres que acompanharam sua trajetória, qualquer outro tipo de personagem que a abordasse de fora como a cantora conhecida pela mídia e aclamada pelos críticos.
Mesmo com uma lista de colaboradores, falta imagens e cenas relevantes que demonstrassem sua trajetória. Há muito registro pessoal, feito por amigos aleatórios e poucos apresentando sua grandiosidade nos palcos, gravando seus álbuns, discutindo suas composições, como se Amy como artista não fosse maior que a pessoa. Além deste aspecto, em mais de uma cena, fotos se congelam na tela como se a imagem tentasse causar maior impacto mas o resultado é levemente sensacionalista, distanciando-se de um documentário cinematográfico que deseja ser sério, se assemelhando a projetos feitos para televisão com apelo rápido. Afinal, quando é necessário uma imagem deplorável da cantora para demonstrar seu devastamento, é significativa a falta de narratividade do documentário.
Diante deste cenário, a figura de Amy parece permanecer um mistério para seus produtores. Analisada por seus amigos íntimos que, de qualquer maneira, assumiam sua trajetória errática, falta material e depoimentos que consolidem a cantora por aquilo que a imortalizou. Após uma hora de duração, a produção já apresentava seus dois álbuns e intensificava o drama envolvendo as drogas. Um momento em que a história melhora, provavelmente, pelo fato do público reconhecer a problemática vivida por ela, não pela condução da história em si.
Dona de uma grande vozes de sua geração, interessante compositora que inseriu um teor autêntico de realidade na erudição do jazz, elogiada por outras grandes vozes americanas, Amy Winehouse se torna uma pálida imagem da potência musical que foi em vida. Melhor ir direto à fonte e ouvir Frank e Back to Black para compreender, por experiência própria, o significado que a produção de Asif Kapadia não soube justificar em sua produção.