Crítica | Capote
Benett Miller estréia na direção de longas-metragens lançando mão da história de uma das personalidades mais controversas e polêmicas do ambiente literário/jornalístico. Capote começa focando o caso investigado pelo cronista e registrado em seu último livro A Sangue Frio. O horrendo massacre do Clã Clutter e todas as relações provindas dele são se tornam crives graças a magistral interpretação de Phillip Seymour Hoffman – sua transformação é assustadora, a afetação, a voz, os trejeitos, tudo nele é distinto e diferente do que havia feito em filmes anteriores e extremamente parecido com a figura do individuo biografado.
A eloqüência de Truman é louvada pelos seus chegados. Em uma mesa de jantar ele é mostrado discursando sobre o roteiro de Bonequinha de Luxo, contando de forma hilária os causos junto a Blake Edwards (diretor do filme) para logo depois, começar um relato emocionado a respeito da perda de sua mãe, e como auxiliaria seu desolado padrasto – cujo qual retirou o seu sobrenome. O registro de Miller é perfeito, não soa piegas, é real, tocante e consegue mudar a abordagem de forma rápida, ajudando a angariar ainda mais empatia das pessoas dentro e fora de tela, de uma forma absolutamente manipulativa sim, mas não pedante.
A persona de Perry Smith (Clifton Collins Jr.) mobiliza a alma do escritor e o faz sentir algo além da misericórdia por sua alma desgostosa e amargurada. Os sentimentos que acometem o protagonista são confusos para o próprio e o interesse do dramaturgo aumenta notadamente, visto o tamanho que seu texto ganha, de um simples artigo para um livro inteiro: “Meu livro vai devolve-lo ao reino da humanidade, eu nasci para escrever isto” – mesmo sem ter rabiscado uma palavra sequer, mas o autor classifica o futuro escrito como o romance documental do século.
O detetive responsável indaga Truman a respeito do título da futura publicação (A Sangue Frio) se este seria pela referencia óbvia a crueza dos assassinatos ou pela relação dele com os ditos criminosos. O processo de concepção das palavras é flagrada com uma câmera acima dos ombros e da cabeça do escritor, a lente mostra ele na máquina de escrever com pilhas de folhas empilhadas de forma organizada. Também é aventada a dificuldade dele em encontrar um final para a sua história, o desfecho teima em ficar em suas mãos.
A diferenciação entre os momentos dele como centro das atenções, nas festas dentro das mansões e nos momentos dentro do cárcere junto ao seu objeto de análise é pontuada pelo comportamento completamente diverso. Há um abismo entre as duas formas de agir, o que demonstra a perfeição de Hoffman em viver e retratar as nuances do Capote homem.
A questão proposta pelo realizador não é até onde a relação Perry/Truman chegou, mas até onde ela poderia chegar e como esta evoluiu dentro da psique de cada um dos envolvidos. Esta passou por momentos de amizade, cumplicidade, amor platônico e por meros interesses profissionais – todos esses estágios explorados um a um e de forma verossímil em todos eles. Enquanto a sentença de Smith não é cumprida, Capote não consegue levantar o lápis, a melancolia em que mergulha nos últimos 30 minutos desmentem qualquer negação que fizera dantes negando seu envolvimento emocional com o encarcerado analisado, as feridas em si causadas foram profundas, e jamais um cineasta conseguira captar tal faceta da curiosa figura que Truman Capote era como nesta fita.