Crítica | Space Jam: O Jogo do Século
O inicio do filme de Joe Pytka se dá com uma conversa entre James Jordan (Thom Barry), o pai de Michael Jordan, e o pequeno Mike (Brandon Hammond) no quintal de casa onde a família mora, no verão de 1973. O menino não consegue dormir, então treina arremessos enquanto reflete sobre seu sonho de jogar basquete pela universidade de sua cidade, a Carolina do Norte. Entre as falas positivas vindas de seu pai, fica estabelecida a relação bem íntima entre eles. Mesmo que isso soe bobo como prólogo, era necessário estabelecer essa sensação antes de adentrar a jornada do maior basquetebolista de todos os tempos, que se encontraria nesse Space Jam: O Jogo do Século, com Pernalonga e seus amigos.
A abertura que toca a icônica música de Quad City DJ’s (a trilha sonora aliás, é sensacional e vendeu muito na época), repercute alguns dos feitos absurdos de MJ até aquele 1996, como o tricampeonato da NBA, a medalha de ouro com o Dream Team e o desempenho dele no basquete universitário. Isso é importante, pois embora o filme tenha o coelho da Warner, é Michael o verdadeiro protagonista. A trama não demora a ir ao espaço mostrar os opositores, que são os alienígenas pequenos, cabeçudos e fofinhos, chefiados pelo feio e grande senhor Swarckhammer, dublado magistralmente por Danny DeVito. A introdução da historia é tão rápida quando seu ritmo: se estabelece a crise de Jordan tentando jogar baseball para agradar seu falecido pai e mostra os extra-terrestres dominando e ameaçando os Looney Tunes, ao ponto deles terem que recorrer ao ala já “aposentado”.
Pytka passou por maus bocados durante as filmagens. Coube a ele dirigir as cenas de animação, e o que se fala é que Ivan Reitman acabou interferindo demais nas cenas com atores. Para o diretor foi ate uma surpresa ter sido creditado na direção, com Reitman sendo “apenas” produtor, e a experiência foi tão ruim que e ele se afastou completamente dos holofotes cinematográficos e passou a trabalhar mais em setores de artes plásticas.
Quanto ao filme, ele apela para um humor bastante infantil, baseado em piadas físicas que tratam Jordan como um bobo alegre, quase imbecil. Mesmo as regras básicas do Baseball ele não entende (e ele chegou a jogar o esporte no colegial). Ainda assim, o fato dele se permitir fazer piada com tudo isso é a prova do quanto ele estava dedicado. Outro fator um tanto quanto negativo é o excesso de piadas físicas com Wayne Knight, o faz-tudo e auxiliar publicitário de Michael no Birmingham Barons. As piadas de gordo passam do limite, mas na época, funcionaram bem.
Os personagens animados que co-estrelam o filme com MJ, só aparecem passados mais de dez minutos. Nesta parte há muita criatividade da parte do roteiro. O primeiro confronto dos aliens com Pernalonga se dá após uma viagem pelo Centro da Terra, como se fosse ali outra dimensão onde tudo é possível, inclusive animais e humanos poderem se esticar como se fossem de borracha. A união de MJ com o coelho da Warner não é inédita, eles já se encontraram em propagandas da Air Jordan. Essa aliás é outra marca registrada do longa, os merchandisings são tantos ao longo dos 88 minutos que chega a ser engraçado, utilizado até como piada pronta em uma conversa onde Stan (Knight) dispara o nome de quase dez marcas em um minuto.
O roteiro é bem repetitivo, baseado demais no choque entre personagens burros e espertos, além disso há uma repetição de piadas chatas com o cachorro de Michael, além do que o draminha do filho mais velho do astro com baseball ser expositivo demais como paralelo com a geração anterior. O uso das cores e dos personagens carismáticos aparentemente já é o suficiente para entreter as crianças, e também são suficientes para vender toda sorte de brinquedos e demais produtos.
Há um número grande de participações de celebridades do esporte, desde os que tem seus talentos furtados (entre eles, Patrick Ewing e Charles Barkley, grandes adversários de Michael nas finais da NBA), além de Larry Bird, grande amigo seu, e dezenas de outros jogadores. Além disso, a adaptação serviu também para apresentar a musa furry Lola Bunny, a coelhinha que faz Pernalonga se apaixonar, sendo basicamente a unica que tem habilidades no esporte entre os animais antropomorfizados. Ela se tornaria tão popular que estaria em Baby Looney Tunes anos depois e até na nova série do grupo presente no catálogo da HBO Max.
Até as possíveis fragilidades que moram no fato dos bichinhos engraçados serem na maioria pequenos para o esporte, são aproveitados para inserir o caráter lunático dos personagens, o modo como limpam a quadra por exemplo dá o tom do quão jocosa é a natureza de cada um deles, e ao menos em algum momento dezenas desses personagens aparecem para ter algum brilho. Nada se leva a sério, e isso contamina até o núcleo humano, como na icônica disputa entre Barkley e uma menina fã dele, ao som do clássico Basketball Jones. Aliás, toda a sequência dos jogadores tentando descobrir o que ocorreu com eles é hilária e repleta de piadas internas e de duplo sentido.
O filme é sobretudo uma peça de publicidade. Serve bem para anunciar o retorno de Michael ao basquete profissional e também para vender produtos. Para isso ocorrer, é importante que tudo funcione, especialmente nas animações, e o trabalho de Pytka é impecável nisso. A mistura de 2d com o 3d presente no jogo final é bem fluida, e dá um ar de grandiosidade para a louca disputa em quadra. Mesmo os absurdos são ótimos e as brincadeiras com aspectos Deus Ex Machina dão ainda mais charme a obra. Nem o retorno do personagem central ao campo de Baseball em uma nave é discutido, pois tanto o publico que vê o longa como o que está no estádio já está completamente estasiado com o que MJ é capaz de fazer.
Apesar dos muito senões, Space Jam é um filme muito divertido e curioso, causa risos nas plateias infantis e ainda serve como epitáfio da carreira de Jordan, que ainda retornaria à NBA, e ganharia mais três títulos. A adaptação consegue fazer fluir bem a mistura entre jogadores e os personagens animados, ainda que o protagonista não tenha nenhum talento dramático, resultando em uma mistura comercial muito rentável e condizente com a mitologia dos personagens envolvidos.