Resenha | Odd e os Gigantes de Gelo – Neil Gaiman
“Fique assim por muito tempo, e você se tornará o que finge ser.”
Neil Gaiman tem o talento de encantar todos os públicos com histórias cujos temas não tem um grande apelo universal. Seus contos de aventura geralmente são soturnos e simbólicos, repletos de mistérios muitas vezes sobrenaturais, e uma atração inexorável a uma fantasia macabra, que já lhe é inconfundível. É assim com Coraline, com a obra-prima Sandman, e também com um de seus melhores romances, o subestimado O Livro do Cemitério, no qual, sob uma atmosfera fantasmagórica e sepulcral, se constrói a mais cândida história de amor, e amizade que o autor já ousou nos contar. Gaiman é um esteta do sombrio enigmático, eterno romeu apaixonado pelo brilho das sombras, pela maciez das asas dos anjos da morte, pelos ecos de um desconhecido irresistível.
E é nesse desconhecido que ele nos embriaga, facilmente, em contos de pura paixão pela literatura e o faz-de-conta que, nas mãos certas, sempre se desdobra em grandes lições de vida, para todas as idades e tipos de leitores. Tão divertido e reflexivo quanto pode ser, Odd e os Gigantes de Gelo é Gaiman e o ilustrador Brett Helquist nos aventurando pelo mundo da mitologia nórdica, com seus deuses e montanhas glaciais, buscando no fantástico a base e a inspiração alegóricas para um menino comum, se tornar Homem. Odd é garoto órfão de pai, e destinado a salvar a mãe solteira do frio que os acomete em sua frágil cabana e seu pequeno vilarejo, Odd enfrenta o frio extremo para buscar a lenha, e o calor que irá salvar a todos de uma literal destruição.
Manco de uma perna, e mais bravo que metade dos homens bêbados e brigões que deixou para trás, o menino não demora a perceber que a volta para casa irá demorar mais do que ele imaginou, já que o chamado a aventura é bom demais para se negar – ainda mais a uma criança de tão bom coração. Ao se deparar com o próprio Thor, o deus do trovão, Loki, o deus da mentira, e seu pai supremo, Odin, um dilema principal é estabelecido: os três foram amaldiçoados por um terrível gigante de gelo a encarnar as formas animalescas de um urso, uma raposa e uma bela águia, e assim, foram todos exilados do seu reino de Asgard direto para o mundo humano. Presos a outras aparências, e outros instintos, eles logo se tornarão selvagens e esquecerão das divindades que realmente são, e é claro que Odd não pode deixar isso acontecer.
De posse de sua inocência e pureza, como os maiores poderes que existem, o destemido Odd e seus rebaixados deuses marcham até onde nasce o arco-íris, no mais gélido ambiente da Terra, munidos de uma esperança cega e que, de tão cega, pode se tornar real. Tangível, e útil para que o reino de Asgard seja acessível novamente a uma trinca de deuses que, um dia, dependeram da ajuda de um reles e jovem mortal. Neste breve conto, Gaiman enfatiza o seu poder de contar pequenas grandes histórias, em prol de irradiar a luz, a beleza e a força que podem existir em meio a escuridão, a bizarrice, ou simplesmente, nesse caso, em meio ao inusitado. Odd e os Gigantes de Gelo, da Editora Rocco no Brasil, também não deixa de ser uma solene homenagem à Terra-Média de J.R.R. Tolkien, ou à Nárnia de C.S. Lewis, na crença de que tamanho não é documento para se salvar o próprio mundo, ou o mundo dos outros, quando assim nos é incumbido pelo destino.
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