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  • Resenha | Odd e os Gigantes de Gelo – Neil Gaiman

    Resenha | Odd e os Gigantes de Gelo – Neil Gaiman

    “Fique assim por muito tempo, e você se tornará o que finge ser.”

    Neil Gaiman tem o talento de encantar todos os públicos com histórias cujos temas não tem um grande apelo universal. Seus contos de aventura geralmente são soturnos e simbólicos, repletos de mistérios muitas vezes sobrenaturais, e uma atração inexorável a uma fantasia macabra, que já lhe é inconfundível. É assim com Coraline, com a obra-prima Sandman, e também com um de seus melhores romances, o subestimado O Livro do Cemitério, no qual, sob uma atmosfera fantasmagórica e sepulcral, se constrói a mais cândida história de amor, e amizade que o autor já ousou nos contar. Gaiman é um esteta do sombrio enigmático, eterno romeu apaixonado pelo brilho das sombras, pela maciez das asas dos anjos da morte, pelos ecos de um desconhecido irresistível.

    E é nesse desconhecido que ele nos embriaga, facilmente, em contos de pura paixão pela literatura e o faz-de-conta que, nas mãos certas, sempre se desdobra em grandes lições de vida, para todas as idades e tipos de leitores. Tão divertido e reflexivo quanto pode ser, Odd e os Gigantes de Gelo é Gaiman e o ilustrador Brett Helquist nos aventurando pelo mundo da mitologia nórdica, com seus deuses e montanhas glaciais, buscando no fantástico a base e a inspiração alegóricas para um menino comum, se tornar Homem. Odd é garoto órfão de pai, e destinado a salvar a mãe solteira do frio que os acomete em sua frágil cabana e seu pequeno vilarejo, Odd enfrenta o frio extremo para buscar a lenha, e o calor que irá salvar a todos de uma literal destruição.

    Manco de uma perna, e mais bravo que metade dos homens bêbados e brigões que deixou para trás, o menino não demora a perceber que a volta para casa irá demorar mais do que ele imaginou, já que o chamado a aventura é bom demais para se negar – ainda mais a uma criança de tão bom coração. Ao se deparar com o próprio Thor, o deus do trovão, Loki, o deus da mentira, e seu pai supremo, Odin, um dilema principal é estabelecido: os três foram amaldiçoados por um terrível gigante de gelo a encarnar as formas animalescas de um urso, uma raposa e uma bela águia, e assim, foram todos exilados do seu reino de Asgard direto para o mundo humano. Presos a outras aparências, e outros instintos, eles logo se tornarão selvagens e esquecerão das divindades que realmente são, e é claro que Odd não pode deixar isso acontecer.

    De posse de sua inocência e pureza, como os maiores poderes que existem, o destemido Odd e seus rebaixados deuses marcham até onde nasce o arco-íris, no mais gélido ambiente da Terra, munidos de uma esperança cega e que, de tão cega, pode se tornar real. Tangível, e útil para que o reino de Asgard seja acessível novamente a uma trinca de deuses que, um dia, dependeram da ajuda de um reles e jovem mortal. Neste breve conto, Gaiman enfatiza o seu poder de contar pequenas grandes histórias, em prol de irradiar a luz, a beleza e a força que podem existir em meio a escuridão, a bizarrice, ou simplesmente, nesse caso, em meio ao inusitado. Odd e os Gigantes de Gelo, da Editora Rocco no Brasil, também não deixa de ser uma solene homenagem à Terra-Média de J.R.R. Tolkien, ou à Nárnia de C.S. Lewis, na crença de que tamanho não é documento para se salvar o próprio mundo, ou o mundo dos outros, quando assim nos é incumbido pelo destino.

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  • Resenha | Deixa Comigo – Mario Levrero

    Resenha | Deixa Comigo – Mario Levrero

    A recente coleção Otra Língua, da Editora Rocco, faz a lição de casa que nós, leitores e escritores brasileiros, meio que historicamente nos recusamos a fazer, envoltos em nossos próprios mestres nacionais, alheios a oceânica diversidade de vozes de nossos vizinhos latino-americanos. É como se a nação de Machado de Assis (Dom Casmurro) e Guimarães Rosa (A Rosa do Povo) só fosse voltar a sua atenção a Pablo Neruda (O Coração Amarelo) e Gabriel Garcia Márquez (O Amor nos Tempos de Cólera), só depois dos mesmos terem ganhado reconhecimento muito além do continente que compartilhamos – seja pela fronteira linguística que nos torna mais distante de grandes autores da Argentina, Chile, Peru e outros países, seja pela predileção brasileira aos clássicos de autoria própria, quanto a nossa própria realidade tupiniquim que já é continental, por si só.

    Ao introduzir no cenário editorial nacional diversos autores renomados, do calibre de Juan Emar (Um Ano) e Eduardo Halfon (O Boxeador Polaco), entre outros, a Otra Língua expõe, em traduções inéditas para o português, as veias abertas da literatura moderna latino-americana em inúmeras obras-chave de autores, até então, tidos como secretos ao grande público do Brasil. Ainda longe da fama do argentino Jorge Luís Borges (Ficções) ou de seu conterrâneo Mario Benedetti (Primavera num Espelho Partido), chegou a hora de mais leitores de São Paulo, Rio de Janeiro e outros estados do país conheceram, muito mais facilmente, a obra do uruguaio Mario Levrero, autor do clássico instantâneo Um Romance Luminoso, uma publicação póstuma de 2005 que o colocou no radar dos leitores até mais exigentes. Não que Deixa Comigo não mereceu ser o escolhido pela Rocco para a coleção, uma vez que o romance é aperitivo perfeito para se encantar pelo universo nada particular de Levrero.

    Perdido numa investigação fictícia pelo autor desconhecido de uma verdadeira obra-prima em espanhol, e incumbido nesta missão por uma editora que o oferece dois mil dólares para que Levrero ache a mente por trás de um manuscrito anônimo, de inacreditável qualidade e sofisticação literária única, vamos juntos com o escritor até a “cidade fantasma” e esquecida por Deus de Penúrias, em algum lugar do Uruguai. Lugar árido, descrito, em uma fabulosa narrativa em primeira pessoa, mais a partir de seus habitantes que das peculiaridades regionais, ou geográficas de Penúrias. Personagens sem futuro ou passado, já que tudo é a mesma coisa para eles, vivendo o hoje. O calor latino, sob uma temperatura forte e uma condição de museu justamente para que o autor as descreva como seres que apenas vivem, e nada mais. Entrelaçados uns aos outros, num cotidiano que parece se estender até o Juízo Final sem muitas transformações, até lá. Levrero tem um estilo fabulesco para a realidade, usando-a para fins de revisão poética do dia a dia de um turista, ou melhor, de um detetive todo atrapalhado.

    Detetive que não supera sua separação recente da ex-esposa, e que por isso, volta a confiar em si mesmo com a ajuda de prostitutas espertas, de epifanias boêmias, de amigos que também não pertencem a Penúrias e que faz pelo caminho, em meio a sua cruzada que nunca parece dar frutos. Afim de achar o tal autor secreto, Levrero explora na verdade o papel do homem de palavras neste mundo, neste sistema de tantas influências que chamamos de sociedade. Não importa aonde vamos, para onde nos deixamos atrair ou com quem criamos laços: o escritor é um ser incomodado por natureza, e curioso como só, vive em desdobramentos e investigações auto impostas, sobretudo existenciais. Deixa Comigo torna-se, desde o princípio, uma curta e célebre metáfora sobre estas criaturas do dia, da noite, da vida, da morte, de missões tão variadas que geralmente são absolutamente maiores que suas extensões humanas. Como o próprio Mario Levrero comenta, numa estimulante entrevista consigo mesmo já nos finalmente do romance: “eu certamente vou voltar a escrever, mas por ora, isso não depende de mim”. Levrero vive, e agora no Brasil também.

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  • Resenha | O Livro do Cemitério – Neil Gaiman (2)

    Resenha | O Livro do Cemitério – Neil Gaiman (2)

    Uma das minhas maiores críticas a Stephen King é como ele tem claras dificuldades em nos fazer emergir e nos envolver pra valer nos horrores que ele propõe, em sua longa e popular obra. O Livro do Cemitério, de Neil Gaiman, é o triunfo que o prestigiado King parece suar para alcançar, e aqui, carrega a sensação naturalista de imersão no sobrenatural de uma forma tão suave, e inevitável, quanto um carro que entra e some na neblina na mais escura das noites. Gaiman é o esteta verdadeiro do suspense, e do terror literário atual, tendo provado isso várias vezes não apenas na literatura, guiando-nos de mãos dadas por veredas ocultas e imprevisíveis como poucos autores contemporâneos conseguem fazer. Andar entre os mortos com Gaiman apresenta a familiaridade, a emoção e o conforto que nunca esperaríamos ter nesta excursão pelo macabro, a ponto de desejarmos ir cada vez mais fundo entre suas fundações, seus mitos e sentimentos que o espectro da morte não consegue apagar.

    Ao acompanharmos a história de Ninguém, um menino adotado por espíritos de um cemitério (tal como Mogli ingressa em uma alcateia para crescer, e perceber que no fundo, não é um deles), Gaiman não sai de sua zona de conforto mas apresenta novos caminhos pelo desconhecido que tanto lhe (nos) atrai, e constitui, a bem da verdade, grande parte da experiência humana. De onde viemos e para onde vamos permanece um dos nossos grandes mistérios, e estarmos cercados por almas que também ainda não descobriram essas respostas é estranhamente reconfortante – pode acreditar. Após escapar de um assassinato, o jovem Ninguém é salvo, e acolhido ainda bebê por seres cheios de afeto mas que pertencem a outras dimensões, e Silas, o coveiro oficial de um lugar mais repleto de vida que muitas ruas fora dos seus muros, se compromete a alimentá-lo e educá-lo do melhor jeito possível, devido as condições, mesmo sabendo que a hora do menino sair da necrópole, um dia, vai chegar.

    Entre túmulos e passagens secretas, Nin (como é chamado) cresce, decorando o alfabeto através das letras nas lápides, fazendo amigos leais, inimigos de todo tipo, vivendo aventuras em outros mundos e descobrindo, afinal, que nem sempre a nossa casa é aonde achamos que ela esteja. Sem se prender no mundo de sonhos, delírio e perdição que é Sandman, o clássico das HQ’s e sua maior obra, Gaiman conta com os expressivos desenhos em preto-e-branco de Dave McKean, o velho colaborador dele, para caminhar com graça e leveza entre o real e o surreal, como se fosse o senhor das duas realidades (e fazendo-nos sentir assim também) ao explorar suas conexões sob a égide de vários temas, tais como a amizade, a família, a sociologia, o misticismo, e porque não, o amor ágape entre duas crianças. Dois infantes que se envolvem sem esperar nada em troca, senão, a simples presença um do outro que o tempo também não consegue varrer. Sobre as coisas que duram, enfim, num mundo tão cheio de valores tão duráveis quanto copos descartáveis.

    Talvez seja essa relação entre Nin e Scarlett, a corajosa garotinha que vai no cemitério escondida dos pais apenas para ver seu amigo esquisito, a mais bela relação da obra de Gaiman. A doçura do encontro proibido e duradouro entre a menina que mora numa casa normal, e o moleque do cemitério que não sabe muito bem lidar com essa normalidade, é irresistível e encantadora, rendendo grandes momentos numa obra cujo os capítulos nada mais são do que contos. Oito contos (Gaiman começou a escrever o livro pelo quarto capítulo) a respeito do início da jornada de Ninguém pela vida e a morte, como se os dois conceitos fossem um só, no melhor estilo yin-yang de se encarar nossa passagem (e, porque não, nossas lições) pela Terra. O Livro do Cemitério, da editora Rocco, é marcante para todos os públicos, e idades, pois faz divertir e refletir muito mais do que se pode esperar, sendo então, para a maioria dos leitores, algo aproximado a uma versão do Tim Burton para uma animação da Disney, mas com a elegância e o charme ímpar que Neil Gaiman, tão bem, consegue nos arrebatar.

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  • Resenha | A Hora da Estrela – Clarice Lispector

    Resenha | A Hora da Estrela – Clarice Lispector

    “É sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima.”Clarice Lispector, em entrevista à TV Cultura, 1977.

    Não tem príncipe encantando, nem final feliz para todos e todas, mas ninguém a avisou sobre nada disso. Tampouco falaram para ela do quartinho imundo que a faz ter “saudade do futuro” no Rio de Janeiro, onde sua tia, antes de falecer, a arranjou emprego, fazendo-a ser mais uma nordestina a procura de possíveis oportunidades no sudeste, longe dos amores e ardores natais que nunca conheceu. Suas companhias? Balconistas de loja com as quais divide sua intimidade, e um radinho que usa para se (re)conectar com seu Eu interior, nos momentos de solitude que tanto precisa. Macabéa trabalha como datilógrafa e anseia por tanta coisa, quem sabe até um amor – de verdade, igual nos filmes e outros sonhos. A arma dos anjos é a simplicidade, afinal, mas felizmente Clarice Lispector sabia bem disso.

    Tanto sabia que encorpou sua cria mais celebrada com ela. Macabéa conhece então o metalúrgico Olímpico de Jesus, homem de várias e que a adverte: adora sangue, touradas, e ela, borboletas e arco-íris. Ela é estranha para ele, “vaca sem leite”, feita para ser chifrada como chifram os touros que ele ama, mas ela não liga, com seu olhar angelical de nunca se irritar com alguém. Por ser assim, Macabéa não sonha com A Hora da Estrela, pois sabe que sua hora de ser feliz nunca chegará – será? Ela é só mais uma. Uma flor de asfalto cujo destino não deu jardins para florescer. Se vira como pode, e estabelece raízes com quem consegue para acalentar seu coração tão virginal de tudo – absolutamente tudo. Isso o mundo não perdoa, muito menos os homens, e ela segue: misteriosa, tal os não-vividos de toda espécie.

    “É que muita coisa eu não entendo bem”, diz ela para Olímpico, que a rebaixa como se o trabalho dela enquanto respirasse fosse ser rebaixada. Uma obra-prima sobre o lugar no mundo que as pessoas tem, sobre o peso rotineiro na flor que, de pingo em pingo, começa a se curvar para a chuva, mas sem nunca perder a beleza. Olímpico não sabia, mas talvez os touros brutos que tanto amava se curvariam, também, a ternura que ele, por jamais entender, enojava. Doce, e inconsequente, num Rio que a faz ter falta do sertão de Alagoas, ela mente para faltar um dia no trabalho e, assim, poder dançar sozinha no quarto que divide com outras moças, longe do seu nordeste onde também não vivia – apenas existia, lá e cá. Macabéa tem medo da noite, e talvez nunca viu a madrugada do começo ao fim, pois, de tão justa, sempre aceitou o sono.

    Por trás de Rodrigo S.M, o narrador oficial do romance, brincando assim com os limites e os truques da linguagem literária, Lispector costura e reflete simultaneamente a direção dos passos de Macabéa num espetacular estudo de personagem, fazendo da sua sensibilidade a da autora, e acordando a nossa, em poucas páginas de imediata e irresistível imersão. Macabéa, poesia ambulante, e transparente para nós, se joga na vida e na lama (literalmente) sem outra opção além de encarar o que não entende, mesmo sabendo ser insuficiente para todos, ao redor. Como o (falso) amor e as relações de trabalho aparecem para alguém igual ela, é isso o que a autora explora através de sua lente filosófica, e existencialista, como se não apenas morasse com Macabéa, mas fosse sua anja da guarda leal, e oficial.

    Tal um vidro líquido, e ainda maleável, a famosa autora de A Maçã no Escuro e Felicidade Clandestina, todos igualmente publicados pela editora Rocco, fez de seu mais popular romance, A Hora da Estrela, um esplendor de seu próprio e magnífico domínio narrativo, com este regido aqui pela eterna e romântica tendência de submeter o que é complexo na natureza humana, a soluções criativas que valorizam o que é simples, e gracioso. Uma das principais musas da literatura brasileira realiza, aqui, um encanto que não é à toa: a estrutura não encontra capítulos, tornando sua prosa a mais contundente e ritmada possível, pois a vida e o cotidiano não param por ninguém, e essa é a mensagem implícita num dos grandes romances brasileiros da década de setenta. Um convite irrecusável, enfim, a enveredar pela essência humana através da trajetória da mais verossímil das personagens.

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  • Resenha | Os Pilares da Terra – Ken Follett

    Resenha | Os Pilares da Terra – Ken Follett

    Os Pilares da Terra - Ken Follett - capa

    Quando a obra de George R. R. Martin, As Crônicas de Fogo e Gelo, ganharam popularidade no país – e um alto índice de vendas – as demais editoras atenderam a uma demanda dos leitores – a procura de histórias semelhantes envolvendo fantasia e narrativas medievais – e inflaram o mercado editorial com novas franquias não publicadas no país e relançamento pontuais.

    Foi nesta ocasião que uma das grandes obras de Ken Follett ganhou uma edição a altura de sua narrativa, em sintonia com uma nova visão do mercado editorial brasileiro, preocupada em fornecer aos leitores um bom produto cultural. Lançado em capa dura pela Rocco, Os Pilares da Terra é um daqueles romances extensos que vale o quanto pesa.

    A trajetória de Follett como escritor foi elogiada desde o início quando publicou O Buraco da Agulha, excelente thriller de espionagem, vertente que explorou no início de sua carreira. Em 1989, o autor expandia seu universo narrativo, centrando-se em uma história situada no Século XII, em um período de instabilidade na Inglaterra, em que dois reis disputaram o trono. Neste cenário, Tom, um humilde pedreiro persegue o sonho de construir uma catedral.

    Diferentemente do autor de Game of Thrones e de outros que escolhem desenvolver sua trama a partir de um novo universo pontuado por novas regras de existência, como seres fantásticos, uso de magia, entre outros recursos, o espaço-tempo escolhido por Follett se baseia em fatos reais e históricos, ainda que, como naturalmente ocorre com toda ficção, há maior elasticidade de certos fatos para favorecer a ação. Se por um lado a escolha excluí elementos fantásticos, ganha melhor terreno ao destacar de maneira heroica os feitos de personagens fictícios em meio a um árido mundo real.

    Pela extensão da obra, é evidente que há uma dilatação no tempo para aprofundar os personagens iniciais e, aos poucos, apresentar outros núcleos que serão narrados de maneira alternada, entrelaçando-se em algum momento posterior. Como os personagens transitam por um mesmo local ainda que amplo, gradualmente, compõe-se as camadas sociais da época. Em uma terra em que o Rei é quase uma entidade desconhecida, a ascensão e queda se apresenta de maneira brutal, principalmente numa época em que havia embates pela coroa. A única autoridade presente se faz através da Igreja, um espaço que não só abriga os desvalidos como fomenta o crescimento de Kingsbridge, cenário central da narrativa. De qualquer maneira, os papéis de cada camada da sociedade são equilibrados sem nenhum maniqueísmo entre bom e mau, fator que faz da história sempre ambivalente, causando surpresas no leitor.

    Dessa forma, em cada núcleo narrativo, existirão personagens em conflito, muitas vezes, realizando feitos incômodos mas necessários para a sobrevivência. Follett compõe uma paleta de grandes personagens capazes de, sempre que possível, sobrepujar a miséria a favor da retidão. Ao criá-los sem extremismos, foge de estereótipos compondo personagens humanos e bem delineado em conflitos internos.

    A extensão da obra permite que o leitor acompanhe quase um século da história da Inglaterra, atravessando gerações de famílias e sua ascensão e queda. A riqueza de detalhes é precisa e, sem dúvida, o leitor se sentirá curioso para buscar as referências citadas pelo autor (não à toa, há sites que relacionam os locais reais, bem como as licenças poéticas em certos feitos).

    Extensa leitura e sempre prazerosa, Os Pilares da Terra é um grande épico narrativo que destaca o talento de Follett como narrador entre a ficção e elementos reais. O sucesso desta narrativa, gerou duas sequências situadas no mesmo local mas em espaços-temporais diferentes: Mundos Sem Fim (Editora Arqueiro) e A Column of Fire, a ser lançado em Setembro deste ano nos Estados Unidos.

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  • Resenha | Aléxandros – Valerio Massimo Manfredi

    Resenha | Aléxandros – Valerio Massimo Manfredi

    alexandros

    Valerio Massimo Manfredi é um historiador e arqueólogo italiano, também jornalista e escritor. Nesta trilogia, conta a história do príncipe macedônio que, depois de adulto, passaria a ser conhecido como Alexandre Magno – ou Alexandre, o Grande. O primeiro volume aborda do nascimento à adolescência de Alexandre. No segundo volume, o rapaz, agora general Alexandre Magno, desafia e enfrenta o exército persa e parte para a conquista do Extremo Oriente. O terceiro volume fala de suas últimas aventuras, até sua morte precoce aos 33 anos.

    Mesmo com um tom mais de professor e menos de contador de histórias, o narrador consegue levar consigo o leitor. Não há como negar que os livros são muito mais agradáveis de ler do que a Wikipedia – ou uma enciclopédia (leitores com mais de 30 anos entenderão). Ter optado por uma linguagem um pouco menos acadêmica foi uma boa escolha, caso contrário a leitura se tornaria cansativa demais, apesar de o enredo ser bastante interessante. O macedônio tem uma personalidade forte e coleciona tantas aventuras que o tornam o sonho de consumo de qualquer biógrafo.

    Como toda trilogia, o segundo volume não é tão bom quanto os demais. Talvez o fato de os eventos serem um pouco repetitivos – Alexandre reúne um exército, trava algumas batalhas, expande seu império, que não é o bastante, então ele avança novamente; reúne um exército, trava batalhas, expande o império, e ainda não é o bastante; e por aí vai. Há ainda o agravante de que a descrição das guerras é um pouco imprecisa, não conseguindo criar tensão suficiente para que o leitor não pense em abandonar a leitura.

    Fica claro o cuidado do autor em contar a história de Alexandre com o máximo de detalhe possível, querendo imergir o leitor na narrativa. Contudo, na maior parte do texto, o tiro acaba saindo pela culatra. O narrador assume um tom professoral desnecessário, e o texto acaba soando didático demais. Tem-se a impressão de estar lendo a biografia dentro de um livro escolar. Talvez agrade a alguns leitores. Porém, pode-se afirmar com certeza que não agrada a muitos outros – principalmente leitores habituados a um estilo narrativo similar ao de Bernard Cornwell, especialista em novelizar eventos históricos.

    Para quem gosta de romances históricos – ou história romantizada – a trilogia é uma boa leitura, apesar de seus altos e baixos, desde que o leitor não se incomode com a descrição “morna” das batalhas. Também é uma ótima opção para apagar da memória aquele filme de 2004, Alexandre, dirigido por Oliver Stone, em que Colin Farrell interpreta o imperador.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Absurdistão – Gary Shteyngart

    Resenha | Absurdistão – Gary Shteyngart

    Eis então que cruzo com este título curioso na livraria, com uma capa bonita que traz a Estátua da Liberdade junto com o Palácio do Kremlin e diversas marcações aludindo a um passaporte. Passaporte este que nos leva até o peculiar e pequenino país chamado Absurdistão. Terra árida, mas rica em petróleo, que vive um conflito armado de trágicas proporções (propositalmente remete ao eterno entrave no Oriente Médio); lá acompanhamos a enormidade (de coração e gordura) de Misha Vainberg. Ele é quem nos guia pelo livro. Filho de um dos homens mais ricos da Rússia, fã fervoroso da cultura norte-americana e por lá sonha viver para o resto da vida. Infelizmente, por conta de negócios ilícitos de seu pai (assassinato!), é impossível conseguir um visto de entrada na terra do Tio Sam.

    Assim acabamos todos no Absurdistão. Vamos com Misha, de primeira classe, para essa terra exótica, seduzidos pela oportunidade de tirarmos um passaporte falso de nacionalidade belga e enfim conseguir o visto para os EUA. No entanto, eclode a guerra! Assim, de supetão, Misha Vainberg está preso dentro do Absurdistão, privado de suas regalias, privado de seus sonhos e testemunhando os horrores da batalha.

    “Eu sou Misha Borisovitch Vainberg, trinta anos de idade, um obeso de olhos pequenos e profundamente azuis com um belo nariz judeu que lembra a mais distinta raça de papagaio e lábios tão delicados que você gostaria de esbofeteá-los”.

    O livro começa com a alma do protagonista exposta, em suas próprias palavras: “145 quilos de um gordão incorrigível”. Com carisma e contatos, ele acaba no inusitado cargo de Ministro de Assuntos Multiculturais do Absurdistão. Como essa função é só um tapa-buraco dentro de uma nação de corruptos, ele segue no livro flertando com várias mulheres, fazendo uma operação de fimose que lhe descaracteriza o seu precioso “khui”, cantando rap de qualidade duvidosa e comendo refeições gigantescas. No meio disso, observa a luta de classes e até mesmo descobre certa veia piedosa e religiosa que lhe era desconhecida.

    Uma trama bem básica no fim das contas. Mas você se pergunta: Qual o atrativo do livro? É diferente! Digamos que é para cosmopolitas materialistas que não querem se apegar a sentimentalismo barato. Também pra quem gosta de personagens com personalidade marcante, viajantes calejados e curiosos em geral. Humor ácido escrito pelo premiado Gary Shteyngart (pouco conhecido aqui) que por acaso é tataraneto de Nikolai Gogol (Tipo: E daí?). Nikolai é Nikolai, o eterno e único. Então, no fim das contas, vá à livraria e observe atentamente essa peça. Calcule se vai ser um bom passatempo ao ler uma passagem como esta:

    “E acabou. Desengatei de Liuba e olhei meu pau molhado. Faltava um dos testículos. Aparentemente, subira para o meu abdômen. – Porra, Liuba – eu disse. – Falta um ovo aqui. Porra, porra, porra”.

    Por essa passagem e outras muitas que terminei a aventura com um sorriso sacana.

    Texto de autoria de Sergio Ferrari.

  • Resenha | A Luz entre Oceanos – M. L. Stedman

    Resenha | A Luz entre Oceanos – M. L. Stedman

    Todo grande livro trata, em maior ou menor escala, daquilo que se convém chamar de moral – o que define o aceitável e o condenável na ação humana, distinguindo o bem e o mal, a virtude e o vício. E quando o conflito moral transcende o universo ficcional no qual atuam seus personagens – fazendo com que o leitor, pautado em seu próprio conjunto de valores, se pergunte se reproduziria aquelas ações ou se agiria diferente caso se encontre em situações análogas às descritas ao longo das páginas -, a excelência de um texto se confirma. É o que tenta fazer M. L. Stedman em A Luz entre Oceanos, no qual apresenta um casal de pessoas essencialmente boas tendo que tomar e lidar com as consequências de decisões moralmente ambíguas. Mas, infelizmente, o romance de estreia do autor australiano está longe de ser um grande livro.

    A trama se desenrola na isolada ilha de Janus Rock, para a qual Tom Sherbourne, o distante protagonista da histórica, partiu em uma espécie de exílio autoimposto ao qual se submete para fugir dos fantasmas da recém-findada Primeira Guerra Mundial. Trabalhando como faroleiro, ele conhece Isabel Graysmark, que representa sua antítese: jovial, alegre e otimista. Desnecessário dizer que ambos se apaixonam. Porém, essas figuras com personalidades e experiências tão diferentes compartilham do mesmo desespero perante a incapacidade de ter filhos; desespero que os leva ao extremo de, após um acidente, tomar para criar o bebê trazido por um navegante morto que chegara às imediações, sem, contudo, informar o fato às autoridades.

    A atitude desses heróis – que, vale repetir, nos são apresentados como pessoas de boa índole, para as quais somos levados a torcer – é certamente errada, até mesmo criminosa. No entanto, o autor tenta fugir do julgamento meramente legal, preto e branco, e narra a situação em seus infinitos tons de cinza, construindo um jogo em que justiça e tragédia se chocam, sem que haja respostas fáceis à disposição. Ainda que passando por trechos demasiadamente dramáticos e que beiram o melodrama, A Luz entre Oceanos é caracterizado por um tom agridoce, nada pessimista, mas também não muito otimista, que consegue prender até mesmo um leitor não muito afeito a romances – categoria na qual me enquadro – em suas 363 páginas.

    No entanto, ainda que tenha méritos temáticos, o livro deixa muito a desejar no tocante ao estilo. Janus Rock, por exemplo, jamais passa a sensação de ilha afastada do restante do mundo, pois diálogos entrecortam praticamente todas as cenas da história, sendo raros os momentos descritivos que poderiam nos dar a impressão requerida de isolamento. A natureza dos capítulos, sempre muito curtos (são 37 ao todo, resultando numa média de menos de 10 páginas para cada um) e fragmentados em pequenas sequências, também não nos permite absorver todo o impacto de algumas situações que logo se dilui no avançar dos acontecimentos subsequentes.

    Quanto ao principal conflito do livro, o dilema entre a ação emocional e a ação “correta”, a meu ver, seria mais eficaz se Stedman não tomasse abertamente o partido de seus protagonistas, conferindo um aspecto mais profundo a essa obra que, vez por outra, soa clichê e pouco original. A Luz entre Oceanos é, enfim, um texto ágil e, considerando que se trata do primeiro livro de um autor, competente. É, de certo, uma leitura recomendada para os apreciadores do gênero. Mas, no final das contas, não passa disso – é somente mais um livro do gênero.

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    Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.

  • Resenha | Devoradores de Mortos – Michael Crichton

    Resenha | Devoradores de Mortos – Michael Crichton

    Em Devoradores de Mortos, Michael Crichton (1942-2008) nos presenteia com o relato de Ahmad Ibn Fadlan, contando as diversas aventuras vividas por ele junto a um grupo de nórdicos no ano de 922.

    Fadlan foi enviado como embaixador de Bagdá ao rei dos búlgaros, missão essa que não chegou a se concretizar, pois, durante a trajetória, encontrou um grupo de vikings, uma experiência que, depois de relatada, se tornou o documento mais antigo que se tem notícia, escrito por alguém que testemunhou um pouco a cultura e sociedade viking.

    Este documento tem um valor histórico inestimável, pois podemos ter uma clara ideia da visão que os povos civilizados tinham dos ditos bárbaros e o choque cultural que havia no convívio entre eles. Assim que Fadlan encontra o grupo de nórdicos, logo embarca a contragosto em uma missão de socorro a um reino que está sendo assolado pelo Wendol, a névoa que encobre os demônios comedores de mortos.

    É no desenrolar dessa missão que mergulhamos de cabeça na cultura nórdica, pois Fadlan é minucioso em relatar todo o modo de vida de seus novos companheiros de viagem, desde os costumes mais triviais, como a higiene duvidosa, o trato com suas esposas e escravas, até o seu modo peculiar de encarar vida e morte, mas, principalmente, sua religião. O árabe é questionado diversas vezes pelo fato de ser monoteísta com diálogos como este: “É arriscado demais. Um homem não pode depositar demasiada fé numa coisa só, seja uma mulher, um cavalo, uma arma, qualquer coisa única”.

    Obviamente, o manuscrito não atravessou mais de mil anos intacto, restando apenas versões e trechos aleatórios em diversas línguas. E é aqui que entra Crichton (autor de O Parque dos Dinossauros) que se utilizou da versão do Professor norueguês de literatura Fraus-Dolus, o qual compilou todas as fontes conhecidas do relato. Crichton admite que fez poucas alterações no texto original, suprimiu passagens desnecessárias e deixou-o com uma sintaxe contemporânea mais dinâmica e inteligível. Alguns dos pontos altos do livro são as ricas notas de rodapé, que denotam um trabalho de pesquisa hercúleo.

    Não há como o leitor passar incólume por essa leitura, Devoradores de Mortos não nos faz apenas viajar no tempo a bordo de um barco viking empunhando um machado e desejando o Valhalla. Aprendemos, através da leitura, uma lição de tolerância de mil anos de culturas opostas que, por um breve período de tempo, souberam aproveitar o que havia de bom uma na outra.

    Vale lembrar que Crichton foi um dos mais talentosos roteiristas de cinema americano e trabalhou como produtor e roteirista na adaptação deste livro para o cinema, que ganhou o nome de O 13° Guerreiro, estrelado por Antonio Banderas no papel de Ibn Fadlan. Em comparação com o livro, a adaptação para as telas é rasa, mas não chega a ser desprezível e vale a pena conferir.

    Texto de autoria de Fabio Monteiro.

  • Resenha | O Cliente – John Grisham

    Resenha | O Cliente – John Grisham

    Um garoto de 11 anos, Mark Sway, vai para o bosque próximo ao trailer onde mora para fumar escondido com o irmão mais novo, Ricky. Estão no lugar errado, na hora errada, e acabam presenciando algo que não deveriam: o suicídio de um homem. O suicida, um advogado de New Orleans, Jerome Clifford, conta a Mark detalhes sobre o caso em que estava trabalhando. Pressionado tanto pelo FBI quanto pela Máfia, contrata uma advogada cinquentona, Reggie Love, para ajudá-lo a se esquivar da obrigatoriedade de contar o que viu e conseguir proteger sua família.

    Muito antes de Dan Brown, John Grisham já conquistava os leitores com thrillers instigantes praticamente impossíveis de largá-los antes de se chegar ao final. Pode-se dizer que Grisham é especialista em thrillers jurídicos. Não de tribunais, visto que apenas ocasionalmente aborda julgamentos. O que ele explora com desenvoltura são os meandros da lei e a atuação dos advogados. Formado em Direito e especializado em defesa criminal e processos por danos físicos, em seus livros consegue mesclar ao suspense uma boa dose de críticas ao sistema judiciário e às grandes “firmas” de advocacia.

    E este livro não é diferente. E talvez por ter um protagonista de apenas 11 anos, a tensão é amplificada. Apesar de em alguns trechos Mark não agir ou pensar, exatamente como uma criança de sua idade, é sua fragilidade, o fato de estar indefeso frente a adultos manipuladores, que faz o leitor se importar ainda mais com o personagem. Porém, o dramalhão passa longe, não há exagero nas tintas pelo fato de Mark estar sozinho, enquanto a mãe está no hospital acompanhando o irmão mais novo.

    Mark e Reggie são responsáveis pelas respostas mais sarcásticas e divertidas de todo o livro. E esse contraponto é essencial para manter o equilíbrio entre o drama do garoto e o suspense gerado pelas ações de seus perseguidores. Não é de roer as unhas, mas consegue manter um bom ritmo.

    Assim como outros livros do autor, O Cliente teve uma adaptação cinematográfica lançada em 1994. Com roteiro de Akiva Goldsman e dirigido por Joel Schumacher, tem Brad Renfro no papel de Mark Sway e Susan Sarandon como Reggie Love. Bastante fiel ao livro, peca apenas ao não conseguir transpôr o suspense e a tensão do livro para o filme.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | O Livro do Cemitério – Neil Gaiman (1)

    Resenha | O Livro do Cemitério – Neil Gaiman (1)

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    Neil Gaiman construiu uma carreira sólida ao longo de mais de 20 anos de trabalho. Tendo como o grande “pontapé” inicial sua amizade com Alan Moore, o que lhe rendeu contatos no mundo dos quadrinhos e posteriormente o tornou mundialmente conhecido ao escrever a obra Sandman. Atualmente, já mais afastado dos quadrinhos e se ocupando cada vez mais com obras literárias, Gaiman nos apresenta O Livro do Cemitério, história fortemente influenciada pelo clássico, O Livro da Selva, de Rudyard Kipling em 1894, como citado pelo próprio autor. Levando em consideração o tom sombrio de muitas de suas histórias, não é de se espantar que O Livro da Selva de Gaiman se passe em um cemitério…

    Na trama, conhecemos um menino chamado Ninguém Owens, que quando ainda era um bebê e teve toda sua família assassinada misteriosamente por um homem chamado Jack. Enquanto o crime era consumado, o bebê engatinha até um cemitério que existia no fim da rua que sobe a colina, o que acaba o salvando de seu trágico destino.

    O bebê acaba sendo salvo por um casal de fantasmas da Inglaterra Vitoriana que há muito tempo desejavam um filho, porém, existe uma regra que nenhum humano pode viver em um cemitério, com isso é realizado uma reunião entre os moradores do local e o misterioso Silas (uma espécie de zelador do cemitério), onde concordam em deixá-lo morar ali, e assim, o casal de fantasmas vitorianos se tornam seus pais adotivos e o batizam de Ninguém. Silas se torna seu tutor, já que é o único que pode conseguir alimentos, vestuários e outros bens necessários para o dia-a-dia de uma pessoa comum. E assim, Nin passa a viver no cemitério da colina, entre fantasmas e ossadas, lápides e covas.

    A cada página o leitor acompanha o crescimento da personagem, desde bebê até sua adolescência. Cada capítulo é um importante ponto no aprendizado de Nin, seja no aspecto de crescimento dele, como habilidades especiais como atravessar paredes, assombrar, vagar por sonhos alheios, entre outras, tudo isso graças a “liberdade do cemitério”, uma concessão que os fantasmas de lá dão a Nin, pois só assim ele poderia viver com eles.

    Contudo, o assassino de seus pais continua a sua procura para terminar o serviço que começou, e não importa quantos anos passem, Jack não irá descansar até terminá-lo e sua chance surge quando Nin completa 15 anos e decide sair para o mundo fora do cemitério e conhecer um pouco da vida. E assim, o destino caminha para um embate entre os dois.

    Gaiman compõe uma narrativa fluida, seguindo um padrão bastante similar a contos, já que cada capítulo traz uma história fechada, uma espécie de coletânea de contos onde quando juntos em ordem cronológica formam um romance (se é que algo assim existe). Apesar de ser voltado para o público infantil – pelo menos é o que dizem, não que eu concorde com isso -, O Livro do Cemitério traz momentos sombrios, embora todos belíssimos, quase lúdicos, deixando claro que a obra não é apenas para crianças, como já vimos em Coraline e O Lobo Dentro das Paredes, aqui isso fica ainda mais nítido.

    O Livro do Cemitério traz um universo fantástico fascinante, as personagens são cheias de vida (por mais irônico que isso possa parecer), as descrições dos momentos da vida de Nin emocionam qualquer um e claro, as ilustrações magníficas de Dave McKean, parceiro de Gaiman de anos, são lindas e ajudam ambientar esta bela estória. Difícil de acreditar que um cemitério seria um lugar tão cheio de vida como aqui apresentado, não é a toa que Neil Gaiman é um dos maiores escritores da atualidade.