Tag: Claudio Marques

  • Crítica | A Cidade do Futuro

    Crítica | A Cidade do Futuro

    Expoente do cinema baiano, A Cidade do Futuro é um longa da dupla Cláudio MarquesMarilia Hughes (de Depois da Chuva), e mostra uma história simples e terna. Gilmar (Gilmar Araújo) e Igor (Igor Santos) são apaixonados, ao passo que tem de lidar com a gravidez de Milla (Milla Suzart). Eles tentam se manter unidos, como uma família, variando de formação, uma vez que Igor não sabe se aceitará o pedido de casamento de seu parceiro.

    A carga de naturalismo do longa é alta e solidificada pela presença de não atores, mas o filme ultrapassa essa pecha, uma vez que via muito além disso. Há um caráter de manifesto e protesto, pois além de mostrar uma construção familiar não tradicional em meio a um lugar onde impera o machismo e a homofobia, também se denuncia questões difíceis, como as famílias que foram deslocadas em blocos de suas residências para um lugar novo e sem estrutura, num movimento parecido com o que ocorreu há muito tempo na Ceilândia, no Distrito Federal.

    A desolação das pessoas, a falta de expectativa de se conseguir renda e emprego são alguns dos fatores que fazem o filme se localizar muito bem na temporalidade atual de um Brasil mergulhado na crise. Os menos abastados são praticamente proibidos de seguirem suas vidas e destinos, sendo esses obrigados a subsistir e não tencionar qualquer melhora ou luxo mínimo, tendo até seu direito de constituir família.

    Há uma cena que beira o cômico, onde Igor tenta vender pacotes de funerária e é recebido por um casal de idosos. Claramente o senhor que o ouve tenta dormir ao ouvir seu reclame decorado, o filme consegue tratar de maneira leve as dificuldades que a nova geração tem de se instruir e gerar seu próprio sustento. O roteiro fala do governo federal atual sem soar panfletário.

    As cenas de violência homofóbica são focadas em outros eventos que não nos seus personagens principais, emulando a resiliência dos personagens ao ter de lidar todos os dias com esse tipo de preconceito ainda vigente. O sofrer calado não ocorre por covardia ou letargia, e sim pela percepção de que até responder a esses insultos é algo doloroso, ou ainda, fútil e sem necessidade, e que a simples menção de resposta, já se torna uma forma de assumir que aqueles eventos são tangíveis.

    Ao final, há uma cena bastante tocante com o enquadramento da cama, vista de cima, com Igor, Gilmar, Milla e o bebê em gestação, como no pôster de divulgação, e esse contemplar da vida é muito poderoso em A Cidade do Futuro, que parece ter esse nome basicamente como a tentativa de semear uma mentalidade nova em detrimento da realidade retrógrada.

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  • Crítica | Depois da Chuva

    Crítica | Depois da Chuva

    Em 2013, uma imensa quantidade de pessoas no Brasil saíram às ruas bradando pelos ideais democráticos, em um dos momentos políticos mais emblemáticos na recente história brasileira. Nesse contexto, Depois da Chuva, da dupla iniciante Cláudio Marques e Marília Hughes, vem abrir espaço para uma sutil conversa sobre democracia.

    Ambientada na Salvador de 1984, na transição dos momentos finais da ditadura militar para as eleições diretas, acompanhamos o dia a dia de Caio (interpretado pelo novato Pedro Maia), um jovem de ideologia anarquista que enfrenta no seu cotidiano as dúvidas e questões morais da adolescência, seu crescimento e os medos e anseios do futuro desconhecido.

    Caio se expressa pela revolução, participando de rádios piratas e bandas punk, ao passo que enfrenta os sentimentos decorrentes da ausência de seu pai e de sua desatenciosa mãe. As representações desses momentos, remetendo aos sentimentos circunscritos do próprio período histórico retratado, são expressas por meio de cenas fragmentadas e caóticas. Reflexos de Caio, de seus amigos e do espírito libertário.

    Posteriormente, a fuga se converge junto ao amor de sua amiga Fernanda (Sophia Corral), momento este em que o compasso do filme ganha uma nova dimensão, mais calma e mais reflexiva, contrapondo a anarquia defendida por Caio com as incertezas da democracia porvir.

    O grande trunfo de Depois da Chuva é a liberdade como Marques e Hughes conferiram a seus jovens atores ao expressar todas essas metáforas em sua atuação. Pedro Maia e Sophia Corral se destacam com uma atuação natural, marcada por sutilezas e familiaridade. Não são meros personagens recortados de um período passado, mas estão ali vivendo aquele turbilhão de sentimentos.

    O filme possui um compasso lento, e talvez esse seja o único problema da forma como a narrativa é contada. Enquanto Caio rouba a cena e tem sua personalidade esmiuçada, boa parte dos outros personagens que interagem com ele não são feitos da mesma forma, como sua própria mãe ou parte de seus amigos que compactuam com seus ideais políticos. De qualquer forma, nada disso é suficiente para retirar a emoção das demais sutilezas que o filme apresenta como um todo.

    Depois da Chuva é um filme que retrata uma época histórica marcada pelo extremismo e pela violência através de uma história sutil e reflexiva. Até hoje, a democracia é uma ambiguidade, assim como o amadurecimento e a nossa própria noção do existir. Depois da Chuva é reflexivo em sua ambiguidade, nas suas dúvidas e na busca que Caio tem em sua vida.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.