Crítica | Fonte da Vida
Fonte da Vida (The Fountain, 2006), terceiro longa dirigido por Darren Aronofsky, foi um projeto complicado, com orçamento inicial de 75 milhões de dólares, primeiro com Brad Pitt, que abandonou o projeto ainda na pré-produção para fazer o péssimo Troia, culminando também na saída de Cate Blanchett do elenco. Com a perda das duas estrelas principais, o projeto foi inicialmente cancelado, tendo que ser reescrito para uma versão que consumisse metade do orçamento original, agora com Hugh Jackman e Rachel Weisz nos papéis principais.
O filme tem o roteiro assinado por Aronofsky e Ari Handel e nos conta a história de Tommy Creo (Jackman), um cientista obcecado pela descoberta da cura do câncer, motivado principalmente pelo fato de sua esposa, Izzi Creo (Weisz), sofrer da doença já em estágio avançado. A possibilidade da cura é aventada com uma amostra de uma árvore única, vinda da Guatemala, que não apenas pode curar o câncer, como tem um efeito rejuvenescedor em quem o tratamento é submetido. Em paralelo à isso, temos a história do Conquistador (também Jackman) e da Rainha Isabel da Espanha (também Weisz), fruto de um livro que está sendo escrito por Izzi, em que o Conquistador deve buscar nas florestas da Nova Espanha a Árvore da Vida, para salvar seu reino da tirania de um inquisidor. Por último temos uma história no futuro, de Tommy, já como um astronauta em uma bolha com a Árvore da Vida, a caminho da nebulosa de Xibalba, que no mito de criação Maia é o mundo dos mortos. Esta terceira história é também fruto do livro escrito por Izzi, seu último capítulo, que ela pede para que Tommy escreva.
Num primeiro olhar, essa não linearidade da narrativa pode parecer um tanto confusa, mas apenas um pouco de atenção por parte do espectador, e o preenchimento das lacunas deixadas meticulosamente em aberto pelo diretor, já são o suficiente para não apenas entender a obra, mas também dar-lhe uma conotação completamente pessoal.
Com tantas interpretações e subtextos, seria impossível abordar todos, até porque estes incorreriam inevitavelmente na interpretação pessoal, e não apenas na análise da obra, mas alguns destes podem ser destacados, como o assunto central da narrativa, que funciona como uma grande reflexão poética sobre o amor e a morte, sua aceitação e sua condição como algo inexorável da vida, cíclica desde suas origens nas supernovas e poeira estelar, chegando até nós humanos.
Além disso, outro tema já recorrente da filmografia do diretor também se faz presente, a já citada obsessão dos personagens interpretados por Hugh Jackman, colocando essa atitude como um difusor no olhar do protagonista, em que ele mira para objetivos inalcançáveis ou irreais, disposto a tudo por eles, mas ao mesmo tempo isso faz com que ele se afaste do que realmente importa na sua vida corrente. Como tenta, sem sucesso, lhe mostrar a Dra. Lillian (Ellen Burstyn), dizendo que mais do que a cura para a doença, o que Izzi mais precisa naquele momento é a presença de Tommy. Ideia reforçada também por Izzi, ao tentar fazê-lo enxergar que a tal descoberta de uma cura para tudo, até mesmo para a morte, não era de fato para ela, que se sentia serena e completa em face da fatalidade, mas sim para ele, que não aceitava o curso natural da vida.
Outro ponto a se notar é a presença dos mitos de criação, mais explicitamente o Cristão e Maia, que servem como ponto de apoio para nos mostrar que a busca do cientista, do astronauta, e do Conquistador, é algo maior do que apenas a vida eterna, ele pretende se tornar algo que não apenas burla o ciclo que nem mesmo as estrelas escapam, mas se tornar tão grande, ou até maior, do que as nossas próprias mitologias.
Fora toda a filosofia que pode se retirar da obra, as atuações também estão ótimas; Hugh Jackman, que à época do filme ainda não tinha tantos trabalhos de peso dramático em sua carreira, mostrava que era capaz de uma excelente atuação fora dos filmes de super heróis e ação, passando sempre o peso emocional requerido para o personagem, com uma dificuldade a mais para os trechos como astronauta, em que a situação psicológica do personagem varia entre o zen e a loucura rapidamente, além de estar quase o tempo todo sozinho.
Rachel Weisz, apesar do pouco tempo de tela, também executa brilhantemente seus papéis, principalmente como Izzi, pois ao mesmo tempo que é uma pessoa em estado terminal que aceita sua condição, também tem os medos e inseguranças naturais de uma situação como essa, sem nunca passar do ponto ou com qualquer exagero habitual desse tipo de papel.
A trilha sonora também merece ser observada, criada por Clint Mansell, repetindo a parceria entre o diretor e o compositor de Pi e Réquiem Para Um Sonho, ajudam e muito a compor toda a atmosfera que o filme exige, tanto nos trechos em que a dor, emoção, e amor são os temas, quanto aos momentos contemplativos vividos pelo astronauta Nova Era, estes também acompanhados de bons efeitos visuais, principalmente na simbiose entre o personagem e o Cosmo.
Fonte da Vida é um filme que tem uma mensagem forte o suficiente até para o mais incauto espectador, mas que se torna ainda melhor se embarcarmos na reflexão por ele proposta, preenchendo as lacunas com nossas visões de mundo, crenças (ou falta delas), fazendo com que seja não mais um filme, mas uma verdadeira experiência produtiva e intensa.
Ouça nosso podcast sobre Darren Aronofsky.