Resenha | Ronda Vermelha
Um dos roteiristas de quadrinhos mais famosos da atualidade (graças ao sucesso da adaptação de The Boys), Garth Ennis é conhecido pela maioria por escrever um conteúdo vazio de significado que atrai leitores graças a uma característica bastante peculiar que chamarei de criatividade para o violento. Seus roteiros são, em sua maioria, recheados de violência e as páginas dos quadrinhos idealizados por ele geralmente pingam sangue (e, normalmente, alguns outros fluidos corporais).
Ennis ficou muito famoso por Preacher (que virou série), The Boys (que virou série) e, principalmente, por sua fase à frente do Justiceiro Max e pelos números de Juiz Dredd que escreveu na 2000 AD. O que todos esses títulos tem em comum? Vísceras, nudez e tiros pra todo lado. Roteiro policial e um desenho bem feito são o máximo que a gente pode esperar de um quadrinho escrito pelo irlandês de Belfast e é isso que leva Ronda Vermelha à maioria dos carrinhos de compra internet afora.
Os detetives Mellinger, Giroux, Wylie e Winburn integram a Ronda Vermelha, um grupo de agentes especiais do departamento de narcóticos da polícia de Nova Iorque. Durante um tempo, a Ronda reinou soberana no combate ao narcotráfico local mas eventos recentes os empurraram para casos menores. Longe dos holofotes e após um recente revés nos tribunais, o grupo decide tomar a justiça em suas mãos e eliminar Clinton Days, um gângster que escapou da lei muito tempo atrás e que estava na mira da Ronda antes de os detetives serem rebaixados. Utilizando as informações que tinham da época em que investigavam Days, o grupo utiliza sua perícia em armas de fogo e luta corporal para corrigir uma injustiça e está prestes a descobrir que fazer a coisa errada pode ser muito, muito sedutor.
Ronda Vermelha é um título da Dynamite Comics lançado entre fevereiro de 2013 e março de 2014. Originalmente divido em 7 números, o título foi reunido em 2017 numa edição em capa dura com 204 páginas pela Mythos Editora e que conta com roteiros e sketches originais de bônus ao final da leitura. O material está bem traduzido com a linguagem bem adaptada para o português e a edição da Mythos é bem impressa em papel de qualidade.
Sobre a história, a primeira coisa a se destacar é que ela é o trabalho de Ennis mais pautado na realidade que já ouvi falar. As páginas remontam toda a história de derrocada da Ronda Vermelha através do relato de seus integrantes, em depoimento oficial ao chefe da divisão. Toda a história é bastante simples e nada muito mirabolante é sacado da cartola em nenhum momento e isso, acreditem, faz da história um dos trabalhos do autor que eu mais gostei de folhear. Sem nenhum super poder, sem luta de 1 contra 50, sem ninguém ser espancado com a cabeça de outra pessoa ou dado de comer para um tubarão branco, a história simples e bastante direta do quadrinho entrega um leitura muito rápida e fácil.
Não que os personagens do quadrinho sejam ruins. O grupo que forma a Ronda é bastante heterogêneo com policiais de faixas etárias e conflitos pessoais bastante diferentes. Todos os protagonistas tem suas visões de mundo apresentadas de maneira bastante óbvia e em nenhum momento um subtexto aparece para desviar a atenção do mote principal: um grupo de policiais que assassina bandidos sem passar nenhuma mensagem. É quase como se o Justiceiro (da Marvel, que deu boa parte da fama que Ennis possui) fosse possível de existir no mundo real na forma de um grupo de 4 agentes de campo e não na personificação do exagero quadrinesco e na contra mão de todas as leis da física e das características biológicas dos seres vivos.
Formado por um detetive mais jovem (com problemas no casamento, reticente sobre o trabalho da Ronda), um oficial negro (corpulento e fiel ao líder), uma mulher (feminista e bastante desbocada) e um veterano (famoso no meio e conhecedor dos meandros da profissão). A relação entre os personagens do grupo é boa e a ação promovida por eles é bem executada do ponto de vista gráfico, e isso tudo é demonstrado com uma arte consistente.
Com desenhos de Craig Cermak, Ronda Vermelha assemelha-se bastante a um documentário em quadrinhos. Nenhuma ação da história é extremamente hollywoodiana, nenhum personagem é extremamente anabolizado e nenhuma mulher é sexualizada de forma desnecessária (ou biologicamente impossível). Tal qual sugere o roteiro da aventura, os desenhos se mantém, durante todo o decorrer da série, o mais pé-no-chão possíveis. Cermak trabalha com qualidade alta se comparado a um quadrinho de linha regular mas isso não implica dizer que qualquer quadro precise ser aumentado e enquadrado para colocar na parede. O time de coloristas usa, estes sim, de forma incrível para compor as duas timelines que são exploradas e mantendo fácil de entender toda a ação noturna que o roteiro impõe. Do ponto de vista artístico, um quadrinho bonito e gostoso de folhear.
Com arte pouco extraordinária e um dos roteiro mais realista que Ennis escreveu, Ronda Vermelha se apresentou como uma aventura de leitura rápida igualmente fácil e gostosa de acompanhar. Uma graphic novel bastante realista, que não emplaca nenhum momento épico mas que vale a pena manter na estante para mostrar àquele seu amigo que não gosta de história em quadrinho porque acha que tudo se resume ao universo dos super-heróis.