Crítica | Horror Noire: A Representação Negra no Cinema no Terror
Muito se discute a respeito da maneira pejorativa com que personagens negros aparecem no cinema, na televisão e nas demais encarnações do audiovisual. Desde a época do cinema antigo, em que dificilmente havia atores pretos, com brancos interpretando-os utilizando a famigerada black face, ou em séries e novelas dramáticas, em que os atores são escalados para papéis de subserviência ou banditismo, há uma evidente falta de representação real. O intuito de Horror Noire: A Representação Negra no Cinema no Terror é estudar esse fenômeno dentro dos gêneros do horror e terror. Faz uma análise com qualidade e com diversas citações e louvor à figuras históricas do cinema de terror.
Xavier Burgin, iniciante na direção de longas, começa seu filme em uma sala de cinema, onde coloca personagens dos bastidores do cinema de Hollywood vendo filmes. A escolha para iniciar a conversa foi óbvia: Corra! de Jordan Peele, que representa tudo o que o documentário defende. Uma historia sobre e feito por negros, sobre traumas e medos em comum entre todas as raças. Aos poucos, desenvolve a conversa com fatos consumados e com outros filmes. Entre eles não só filmes do gênero mas também O Nascimento de uma Nação de D.W. Griffith que glorificou a Klux Klu Klan. O roteiro se baseia no livro Horror Noire (publicado aqui pela DarkSide Books) do professor Robin R. Means Coleman e atravessa o trabalho de artistas como Oscar Micheaux e Spencer Williams, artistas que faziam papéis importantes nas produções do gênero mas que eram restritos a papéis estereotipados. Ainda assim, essas participações eram menos problemáticas que outras tantas.
De fato, no inicio do cinema falado não havia muito espaço para papéis com artistas negros, em grande parte como certa evolução do preconceito ratificado e estabelecido pela obra de Grifith. Os filmes de Monstros da Universal quase não tinham papel para homens e mulheres negras. Exceção a um mago, feiticeiro ou personagem místico, um clichê que ainda permanece no cinema e hoje é conhecido como o Negro Místico. Além desse, o documentário também aborda a questão do Negro Sacrificial, que consiste em um personagem negro disposto a salvar alguém branco.
Ao mesmo tempo em que associam filmes de monstros gigantes à coloração da pele como algo temido (a exemplo de King Kong de 1933), também se louva A Noite dos Mortos Vivos de George A. Romero, não só pelo papel de protagonista de Duane Jones, mas também por que o terror de perseguição era real e mais universalizante. Assim, Horror Noire reúne participações de outros diretores como Rusty Cundieff (Contos Macabros), Ernest R. Dickerson (Bones), William Crain de (Blacula), e também apresenta participações de atores como Tony Todd, Miguel A. Nuñez, Ken Foree, Rachel True e Keith Todd com bons depoimentos apontando como poderia ser cruel a busca por papéis relevantes, ainda mais após a popularização da blaxploitation.
O documentário é uma ótima forma de conhecer a historiografia do cinema norte-americano e as histórias de quem sempre foi relegado ou ao limbo ou a pequena importância. Bem como é um catálogo bem explicativo de como era o cinema da segunda metade do século passado abordando o negro. Bergin traça um bom retrato do cinema dos dois últimos séculos e ainda faz um afago emocional ao público, trazendo falas muito sinceras e sentimentais dos entrevistados. É uma reverência a arte que reconhece a representatividade como parte importante da cena mas não confunde isso com qualquer movimento revolucionário. Ao contrário, mostra que é preciso movimentação de pessoas e vontade política para favorecer o povo.