Crítica | Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
O cinema brasileiro respira um frescor jovem, assim como os jovens deste filme. Suas rugas de produção rejuvenescem na era em que a arte vive acompanhada da publicidade na casa das fórmulas comerciais, e tal efeito Benjamin Button não é em vão; é fogo de palha tanto quanto a certeza em dizer que só existe um único cinema do Oiapoque ao Chuí. Mas é claro, tudo é possível na complexa nudez das consequências, resultados de certas mentes que conseguem reunir num produto só, vulgo filho exclusivo do cenário atual, o espírito nacional de diversidade cultural e homogênea, em prol de um abraço apertado nas antíteses a uma recorrente simbiose de pretensões artísticas que tanto assombram a produção fílmica nas quatro vértices da globalização pós-moderna. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho afirma o que é desde o título: está sozinho no pódio do que conseguiu provar, com a ajuda do público, e sem precisar morar na “irresistível” casa das fórmulas.
O filme tem algo a dizer e evita a simplicidade tradutória da carga de conteúdos a favor de algo ainda maior a resgatar. Readquire uma honestidade que não se impõe, brilhante e tenaz como a lua, cuja clareza (não confundir com lucidez) ideológica “apenas” se apresenta como identificável à população de um país inteiro, e a novas mentalidades – vide o fenômeno inesperado que o curta-metragem, fonte do longa em questão, tornou-se. Agora sua abrangência está desnudada, mais séria, competente e responsável por um público maior, sem mais os 12 minutos que nunca foram reduzidos à ideia primordial do cineasta Daniel Ribeiro (de Café com Leite), ciente da nova responsabilidade de retratar um pedaço de uma nova geração que raramente se vê, nua e crua, no retângulo do cinema, quiçá na telinha do youtube.
Do famoso curta que propagou a própria qualidade no velho esquema “boca a boca” (ou será o contrário?), sobrou a visão de mundo pessoal do autor e o contexto agridoce entre humor e drama. Mas o maior feito do filme de 2014, em âmbito geral, é estabelecer de vez, sem maiores provas daqui pra frente, que o povo brasileiro ainda tem razão em confiar no material que nós mesmos gestamos e agregamos ao folclore de nossos mosaicos coloridos. E no exercício de demonstrar a diferença nos vieses comuns da convivência, Ribeiro volta a usar a cegueira como metáfora da atração sexual pelo mesmo sexo, e faz a liberdade sexual interpretar a autonomia que todo adolescente quer dos pais com quem convive. É chegada a hora da independência para o garoto Leonardo (Guilherme Lobo, pequeno grande ator), mesmo que ainda seja preciso, como o filme mostra, de uma mãozinha do pai na hora de fazer a barba quase inexistente num rosto cheio de espinhas. De metáforas e analogias caindo pelas mangas, o cineasta se apoia, às vezes, em territórios de comodismo, no público que já conquistou antes, e mais: na parcela do auditório que desconhecia suas recentes investidas atrás das câmeras, mas tem sede de novas óticas originais, de quem se habilita a reproduzir traços do mundo onde vivemos.
Todavia, por buscar ser tão lenitivo senão aos prós e contras do nosso invólucro social de todo dia, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho vale mais em seu catálogo de valores pelo que representa para com o público do que pelo conjunto de méritos que compõe sua estrutura de produção, já debatida antes nos tempos de Glauber Rocha e Cia.
Uma realização humilde e impecável no que se propõe a discursar, jamais debater, impondo limites para si mesma e respeitando-os até o fim da projeção, equívoco ora justificável, ora não. Até aí, essa pode ser uma questão irrevogável. Contudo, será que esses limites deveriam existir no debate que o Cinema, agora com letra maiúscula, pode vir a ser no que diz respeito às relações humanas, principalmente nos parâmetros da comunidade LGBT e de outras que também buscam igualdade social? Talvez a resposta esteja garantida na provável continuação.