Tag: Démick Lopes

  • Crítica | Greta

    Crítica | Greta

    Greta ficou conhecido antes mesmo de chegar ao circuito, quando estava ainda correndo os festivais pelo Brasil e o mundo, por conta de polêmicas com o governo federal vigente em 2019. Fora toda essa problemática fútil, o longa de Armando Praça começa silencioso, mostrando um veterano Marco Nanini descendo as escadas de um prédio antigo, vendo os cuidados médicos a uma pessoa.

    Ele é Pedro, um enfermeiro homossexual que começa o filme tentando cuidar de Daniela Ramalho Silva (Denise Weiberg), que tem registro civil como Francisco Cícero Ramalho Silva, e que não aceita em meio a lotação do hospital, ficar na ala de internação masculina. Pedro e Daniela são muito amigos, e afim de arrumar vaga para ela no hospital onde ele trabalha, o sujeito acaba ajudando Jean (de Demick Lopes), um criminoso ferido, e o leva para casa.

    O começo do filme é bem silencioso. Os poucos diálogos são bem pessoais, e acompanhado de uma música bem baixa, instrumental, a trilha toma o cuidado para não quebrar o naturalismo do filme e pra não fazer com que ele soe artificial. Há muita delicadeza e esmero no esforço do longa.

    O roteiro lida com carência, dificuldade de aceitação da condição de solteirice e da solidão, através de um personagem calado, tímido e contido, mas que guarda um desejo interno de se liberar e de gritar para o mundo seus desejos. Nem o pragmatismo da rotina e a necessidade de manter-se financeiramente são capazes de sufocar esses desejos. A admiração de Pedro por Greta Garbo o ajuda a conviver com sua condição de pessoa só, tornando a idolatria em um estado de segurança, que ao menos em quanto está na cama, a isola da condição de não gostar de como é sua rotina.

    Nanini consegue reunir muitos personagens no limiar que existe entre Pedro e Greta, um homem complexo e uma senhora complicada, onde ambos, apesar de terem personalidade diferentes, sofrem do mesmo problema, de não saber lidar com estar sozinho, não ter par ou algo que o valha. É certo que a relação que “eles” tem com Jean beira o doentio, mas também é certo que essa é uma boa representação de tantos relacionamentos de transferência psicológica, onde uma grande perda precisa ser suprida por algo novo. A denúncia que Praça propõe não é nada sutil, e nem precisa, afinal é algo corriqueiro, infelizmente comum de ocorrer.

    Greta é baseado livremente em Greta Garbo, Quem Diria, Acabou no Irajá, de Fernando Melo, mas sua verve só é tão forte e emocional graças a entre de Nanini, que faz uma personagem diferenciada, que demora a evoluir até o quadro que considera ideal para sua vida. Os momentos finais mostram a sua transformação, e o objetivo que ele sempre teve sendo alcançado, de certa forma referenciando também a memória de sua grande amiga, mas ainda com coração mole e psique frágil o suficiente para aceitar o retorno dos que antes fizeram ela sofrer.

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  • Crítica | Inferninho

    Crítica | Inferninho

    Inferninho é o novo filme de Guto Parente e Pedro Diógenes, e começa sua história justamente por seu nome, que varia a alcunha entre a questão de inferno pessoal e o nome popular que se dá a pequenos bordéis, onde por sua vez, ocorrem pequenos shows. O longa mostra o ambiente do bar cearense, comandado pela trans nipônica Deusimar (Yuri Yamamoto), que recebe a chegada de seu antigo amado, Jarbas (Démick Lopes), também conhecido como Marinheiro.

    O filme não dá sua história de maneira fácil ou didática, os sonhos e motivações dos personagens são desenvolvidos paulatinamente, assim como são mostrados os números musicais do local. As performances variam entre o mambembe e o vagabundo, com pessoas se esgoelando fora do ritmo, acompanhadas de uma música eletrônica que não faz muito sentido com o que se profere pelo cantor ou cantora, mesmo levando em conta a estética do tecnobrega. No entanto, isso em momento nenhum soa pejorativo, ao contrário, ajuda a dar charme e personalidade não só as pessoas, mas também ao lugar.

    Em determinado momento, Deusimar sonha que está com seu par – viajando por um chroma key dos mais caricatos – dando um pouco da dimensão dos pensamentos das pessoas que ali estão, gente que se enxerga como fracassada, que não vê muitas perspectivas de futuro, mas que ainda assim seguem sendo quem são, sem medo ou vergonha. Por esses motivos, a comparação com filmes como Paraíso Perdido parecem mal encaixados e reducionistas. O que se vê é uma boa influência do cinema de Rogerio Sganzerla e do recente Ralé, de Helena Ignez, especialmente, no modo de tratar os personagens e no espírito que eles transmitem ao público.

    Já o visual de alguns dos entes que o filme exibe  remete a clássicos da ficção cientifica e estética noir, além de pegar emprestado um pouco do caráter do western para o cenário de seu sertão. Os personagens fazem lembrar a literatura de Phillip K. Dick e Frank Herbert, reunindo semelhanças narrativas com os filmes como Vingador do Futuro, No Mundo de 2020, Blade Runner, além de lembrar também A Montanha Sagrada, e sua versão do faroeste norte-americano, El Topo.

    Inferninho poetiza a melancolia e inevitabilidade do destino, mostrando as curvas da vida de forma cruel e direta, sem deixar temas importantes de lado. Sua abordagem prima por urgência e desespero em fechar ciclos e começar novos, e tem em Deusimar o maior símbolo disto. Seus personagens faz do filme um espécime com uma identidade bastante corajosa.

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