Tag: Guto Parente

  • Crítica | O Clube dos Canibais

    Crítica | O Clube dos Canibais

    Guto Parente é um diretor cearense, cujo cinema passa por caminhos inusuais, brinca com violência horror e terror. Seu novo filme solo, O Clube dos Canibais começa de forma onírica, mostrando uma mansão, onde as pessoas que estão lá gozam dos prazeres da carne, como luxuria, preguiça e gula. O casal que lá mora, Otávio e Gilda tem hábitos bem estranhos, poucos empregados e sempre cozinham suas refeições, de um modo bem estranho e predatório.

    Há toda uma aura de estranheza no filme, seja no modo que o casal se alimenta – de carne humana, como já se deve perceber ao ler o título – ou na rotina dos dois fora da grande casa. O Otávio de Tavinho Teixeira (que também é diretor, o mesmo que fez Sol Alegria e Batguano), trabalha no ramo empresarial, é grosseiro com seus empregados e asseclas, parece estar sempre nervoso, tem no voyeurismo uma de suas taras, assim como a volúpia por sangue. É obcecado com a forma de temperar a carne. Todas as outras preocupações mundanas parecem lhe entediar.

    Já a Gilda de Ana Luiza Rios é igualmente entediada, mas parece ter um asco de conviver com os que são iguais a si. Ao discutir com pessoas da “alta classe” ela finge interesse nos assuntos, mas logo depois vomita após ouvir as falas preconceituosas e elitistas dos mesmos. Ela parece  não se adequar tanto a alta classe, tanto que ela costuma se relacionar

    Isso se torna ainda mais bizarro por haver uma divisão de classes bem demarcada, onde patrões tratam de forma muita rígida seus empregados, e onde maridos são extremamente duros e autoritários com suas esposas. É como se o ultra conservadorismo dos tempos antigos voltasse de maneira tão visceral que chega ao cúmulo dos superiores canibalizando os inferiores.

    A historia completamente viajandona mostra um grupo de pessoas mesquinhas, egocêntricas, que não pensam em qualquer pessoa que não elas mesmas. Parente consegue imprimir um gore impressionante, ainda mais para o cinema brasileiro, aspecto esse maximizado pela direção de fotografia de Lucas Barbi, que consegue ajudar o cineasta a esconder até o orçamento baixo do filme.

    Também colabora para tornar a obra em algo único o fato do elenco estar bastante afiado, tanto Teixeira quanto Rios e os atores que fazem seus empregados realmente parecem pessoas reais, e a visceralidade que é imposta aqui resgata não só cinema de horror americano de John Carpenter e Wes Craven em começo de carreira, mas também homenageia as fitas italianas de horror, com os exageros típicas das historias ultra violentas. O Clube dos Canibais é uma peça em meio ao cinema de gênero nacional, e não tem medo de ser encarado exatamente como é, um thriller sanguinário e viajandão, que dentro dos seus exageros, acaba por fazer alusão um pouco a realidade tangente atual.

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  • Crítica | Inferninho

    Crítica | Inferninho

    Inferninho é o novo filme de Guto Parente e Pedro Diógenes, e começa sua história justamente por seu nome, que varia a alcunha entre a questão de inferno pessoal e o nome popular que se dá a pequenos bordéis, onde por sua vez, ocorrem pequenos shows. O longa mostra o ambiente do bar cearense, comandado pela trans nipônica Deusimar (Yuri Yamamoto), que recebe a chegada de seu antigo amado, Jarbas (Démick Lopes), também conhecido como Marinheiro.

    O filme não dá sua história de maneira fácil ou didática, os sonhos e motivações dos personagens são desenvolvidos paulatinamente, assim como são mostrados os números musicais do local. As performances variam entre o mambembe e o vagabundo, com pessoas se esgoelando fora do ritmo, acompanhadas de uma música eletrônica que não faz muito sentido com o que se profere pelo cantor ou cantora, mesmo levando em conta a estética do tecnobrega. No entanto, isso em momento nenhum soa pejorativo, ao contrário, ajuda a dar charme e personalidade não só as pessoas, mas também ao lugar.

    Em determinado momento, Deusimar sonha que está com seu par – viajando por um chroma key dos mais caricatos – dando um pouco da dimensão dos pensamentos das pessoas que ali estão, gente que se enxerga como fracassada, que não vê muitas perspectivas de futuro, mas que ainda assim seguem sendo quem são, sem medo ou vergonha. Por esses motivos, a comparação com filmes como Paraíso Perdido parecem mal encaixados e reducionistas. O que se vê é uma boa influência do cinema de Rogerio Sganzerla e do recente Ralé, de Helena Ignez, especialmente, no modo de tratar os personagens e no espírito que eles transmitem ao público.

    Já o visual de alguns dos entes que o filme exibe  remete a clássicos da ficção cientifica e estética noir, além de pegar emprestado um pouco do caráter do western para o cenário de seu sertão. Os personagens fazem lembrar a literatura de Phillip K. Dick e Frank Herbert, reunindo semelhanças narrativas com os filmes como Vingador do Futuro, No Mundo de 2020, Blade Runner, além de lembrar também A Montanha Sagrada, e sua versão do faroeste norte-americano, El Topo.

    Inferninho poetiza a melancolia e inevitabilidade do destino, mostrando as curvas da vida de forma cruel e direta, sem deixar temas importantes de lado. Sua abordagem prima por urgência e desespero em fechar ciclos e começar novos, e tem em Deusimar o maior símbolo disto. Seus personagens faz do filme um espécime com uma identidade bastante corajosa.

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