Crítica | Gloria
O término de um casamento ainda é visto como um declínio perante a sociedade. A imagem, imposta durante séculos, da família como realização do eterno final feliz ainda comove e vende histórias e publicidade, mas não é um reflexo coerente da desintegração natural das relações. Diante do declínio e da devastação da perda, as unidades quebradas do casal permanecem em um mundo à parte, como párias de uma civilização que faz da felicidade um objeto de venda.
Indo além da história de uma mulher na crise da meia-idade, a personagem central de Gloria vive de silêncios e de vontades presas na garganta. Após dedicar-se ao casamento e aos filhos, a mulher reconhece o momento inerte de sua vida e tenta adaptar-se à nova realidade indo para bailinhos de terceira idade, onde encontra outros seres de corações solitários. Porém, as tentativas de mudança não aquecem sua realidade silenciosa.
A produção dirigida por Sebastián Lelio não julga os esforços anteriores da vida da personagem, mas ao debruçar-se sobre a crise da meia-idade, diante do vazio existencial, explora a difícil adaptação a uma nova consciência após a queda de uma união que, se não eterna, ao menos, duradoura. Gloria vive um momento de intensa invisibilidade em que nem os filhos crescidos não procuram mais a mãe para pedir conselhos sobre como lidar com as crises diárias. O vazio da personagem vem da falta de um local sagrado onde possa se reconhecer. Sem marido, sem a presença dos filhos, ela transita entre o trabalho e a vida cotidiana, sem uma motivação que a impeça de permanecer deitada no sofá durante noites ouvindo o barulho dos vizinhos.
A análise da meia-idade como crise não é um conceito novo. A produção italiana A Grande Beleza fez desse tema um de seus movimentos, embora a personagem do filme, Jep Gambardella, pareça mais acomodada do que em conflito direto com a velhice. O Que Falam Os Homens, do espanhol Cesc Gay, também aborda e analisa a ideia de um futuro após o fim do conceito de final feliz. Um senso de realidade que rompe com os desfechos tradicionais, focando a imobilidade humana diante de grandes perdas ou mudanças bruscas.
Há poesia nas cenas de Gloria. O roteiro escrito pelo diretor em parceria com Gonzalo Maza se vale de imagens envoltas em silêncio para reproduzir o distanciamento solitário da personagem. Insone, ela ouve as brigas do vizinho. Em uma visita ao shopping, ao parecer reconhecer-se na marionete de uma caveira que dança nas mãos de um títere, como se visse seu próprio crepúsculo, calmamente deposita uma moeda no chapéu do mestre dos bonecos.
A sensibilidade melancólica é equilibrada pela verossímil interpretação de Paulina García, o que lhe proporcionou o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim de 2013. Mesmo diante de qualquer situação, a personagem é sempre capaz de rir de si mesma. Canta enquanto trafega no trânsito, ri de suas desavenças e desventuras sem parecer uma figura afetada e abalada pela própria condição de solidão.
Em cena, não há insinuação fatalista que faça da idade ou da perda um fardo inominável, mas mostra que acúmulos de sabedoria e emoções, em um dito momento, não preenchem mais a lacuna do ser humano. Dentro deste conceito, como tão bem explica um dos pôsteres da produção, Gloria parece reconhecer que, embora se sinta paralisada, ainda é uma força significativa e, à sua maneira, pode dançar sobre o próprio universo. Não transformando sua história em uma carregada ilusão amorosa que transforma sua crise em um elefante branco que se destrói aos poucos.
Gloria é um personagem denso que em silêncio e nuances evidencia que o momento vazio sentido é apenas a transição natural de uma história a outra. De um fim inevitável, posto que tudo termina, mas ciente de que o caminho, mesmo que árduo, foi percorrido de maneira bela e memorial.