Crítica | Branco Sai, Preto Fica
Voltando seus esforços para o cenário predominante em sua vida artística, Adirley Queiroz usa a música via rádio para estabelecer um lugar comum, a base de operações de seu Branco Sai, Preto Fica. A história é narrada a partir do cadeirante e musicista Marquim do Tropa, um rapper que vive seus dias narrando suas experiências no passado, quando frequentava uma boate disco décadas atrás, antes das muitas preocupações que envolvem sua vida atual.
A cidade da periferia do Distrito Federal, Ceilândia é um personagem por si só, remetendo a um apartheid social semelhante ao tema discutido pelo roteiro, que destaca a segregação racial, vista no título e no grito dos policiais, que invadiam o baile, respondendo de maneira desmedida a pessoas que não praticavam mal nenhum e que tampouco tinham qualquer chance de contra-ataque.
A carreira de Adirley praticamente destaca a valorização do rap e a sua cidade, tendo em comum a fala sobre repressão e cerceamento de direitos, ocorrida de modo arbitrário. O direito de ir e vir é a maior das privações mostradas pela lente, exemplificada pelas pernas, amputadas ou inoperantes, de seus personagens centrais.
O elenco é formado quase em sua totalidade por não atores, o que torna ainda mais curioso o fato de os personagens retratados em tela serem levemente inspirados em seus intérpretes. A colaboração do elenco com o roteiro é notória, especialmente no que tange a cessão de muitos detalhes e corruptelas de suas vidas particulares.
A comédia predomina em alguns pontos da fita, fazendo uma descontração necessária diante da historieta tragicômica, que emula a realidade da capital do país. O viés de ficção científica, baseado no núcleo do talentoso ator Dilmar Durães faz menção a alienígenas, seres que vêm de fora da Terra para analisar o campo de batalha que se tornou o Brasil, que através de clichês tecnobabbles grafam a disparidade existente nas vidas dos marginalizados e dos que detêm os meios de produção, resvalando num panfletarismo que não incomoda.
O escapismo presente nas histórias paralelas se confundem com o plot principal, trazendo um bocado de espírito nonsense ao caráter de Branco Sai, Preto Fica. O desfecho guarda uma revolta com o sistema, justificada pelos anos de exploração dos que têm pele negra. O estilo narrativo denota uma coragem grande, que incita no público uma curiosidade atroz, de como seria a régia de Queiroz em um pomposo e caro blockbuster, com expectativa de que tal filme tivesse uma mensagem tão densa e reflexiva quanto neste.