Tag: Marquim do Tropa

  • Crítica | Era Uma Vez Brasília

    Crítica | Era Uma Vez Brasília

    Para entender Era Uma Vez Brasília é preciso ter visto Branco Sai, Preto Fica, filme anterior do diretor e roteirista Adirley Queiroz, uma vez que a distopia que o realizador pretende apresentar tem alguns pequenos elementos apresentados no longa citado. A questão mais importante é que aqui o cunho de ficção científica é muito mais assumida que no restante da filmografia, e esse é só o começo dos problemas dele.

    Quando lançou seu filme em 2014, Adirley não parecia temer coisa alguma. Seu filme foi digerido de maneira diferente por parte da crítica, mais aos poucos ele foi assumido como um produto de vanguarda, antecipando algumas tendências para o cinema independente do Brasil, especialmente o de gueto. As partes experimentais são curtas, então as questões paupérrimas de seus filmes soam aprazíveis, ainda que mambembes, já que não é esse o maior foco do filme. Na trama, o principal plot é calcado no caráter de sci-fi, usando como pano de fundo o golpe parlamentar cometido no primeiro ano do segundo mandato da então Presidenta Dilma Rousseff.

    O comentário político é vazio, assim como os dramas vividas ao longo do filme. O personagem que mais tem tempo de tela é WA4 (Wellington de Abreu) que vem do planeta Kaspenthal, fato que é pura perfumaria, já que não faria diferença se ele viesse do Tocantins ou Baixada Fluminense. A tentativa de tornar o drama desse alienígena em algo universal esbarra tanto em sua falta de carisma quanto nas situações de dificuldades que ele sofre, já que não dizem absolutamente nada ao espectador. Marquim do Tropa retorna aos filmes de Queiroz, mas não repete o mesmo brilho, até por ter pouca chance de transbordar sua dramaticidade. De positivo no elenco há a participação de Andreia Vieira, uma mulher que sofreu um assédio e ainda acaba presa pela sistema judicial brasileiro. É curioso como mesmo sendo uma vítima, ela é constantemente interrompida pelos homens, mostrando que independente do lado onde estão, o comportamento machista que visa calar a voz da mulher é em essência o mesmo, resta saber se a intenção do texto era de denúncia ou puro ato falho.

    “Era uma vez” é uma expressão que remete ao começo de algo, ao início, gênese , mas o filme aqui é sobre o destino final, o desfecho de algo, sobre um estado que já acabou e sobre um Brasil falido. As falas separadas de Dilma e Michel Temer durante o julgamento do impeachment e após a posse do antigo Vice-Presidente tentam estabelecer uma ponte com a realidade atual do Brasil. Achar que isso é o suficiente para estabelecer um cenário pós-apocalíptico, mesmo que alegórico soa pueril. O roteiro faz pensar que há de fato em volta do governo e política petista uma inocência boba e um espírito paladínico, fato que parece ainda mais maniqueísta e descolado de qualquer realidade mediante aos acordos que o partido fez (e faz). Nenhum universo paralelo justifica essa visão infantil sobre o complexo panorama político brasileiro.

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  • Crítica | Branco Sai, Preto Fica

    Crítica | Branco Sai, Preto Fica

    Voltando seus esforços para o cenário predominante em sua vida artística, Adirley Queiroz usa a música via rádio para estabelecer um lugar comum, a base de operações de seu Branco Sai, Preto Fica. A história é narrada a partir do cadeirante e musicista Marquim do Tropa, um rapper que vive seus dias narrando suas experiências no passado, quando frequentava uma boate disco décadas atrás, antes das muitas preocupações que envolvem sua vida atual.

    A cidade da periferia do Distrito Federal, Ceilândia é um personagem por si só, remetendo a um apartheid social semelhante ao tema discutido pelo roteiro, que destaca a segregação racial, vista no título e no grito dos policiais, que invadiam o baile, respondendo de maneira desmedida a pessoas que não praticavam mal nenhum e que tampouco tinham qualquer chance de contra-ataque.

    A carreira de Adirley praticamente destaca a valorização do rap e a sua cidade, tendo em comum a fala sobre repressão e cerceamento de direitos, ocorrida de modo arbitrário. O direito de ir e vir é a maior das privações mostradas pela lente, exemplificada pelas pernas, amputadas ou inoperantes, de seus personagens centrais.

    O elenco é formado quase em sua totalidade por não atores, o que torna ainda mais curioso o fato de os personagens retratados em tela serem levemente inspirados em seus intérpretes. A colaboração do elenco com o roteiro é notória, especialmente no que tange a cessão de muitos detalhes e corruptelas de suas vidas particulares.

    A comédia predomina em alguns pontos da fita, fazendo uma descontração necessária diante da historieta tragicômica, que emula a realidade da capital do país. O viés de ficção científica, baseado no núcleo do talentoso ator Dilmar Durães faz menção a alienígenas, seres que vêm de fora da Terra para analisar o campo de batalha que se tornou o Brasil, que através de clichês tecnobabbles grafam a disparidade existente nas vidas dos marginalizados e dos que detêm os meios de produção, resvalando num panfletarismo que não incomoda.

    O escapismo presente nas histórias paralelas se confundem com o plot principal, trazendo um bocado de espírito nonsense ao caráter de Branco Sai, Preto Fica. O desfecho guarda uma revolta com o sistema, justificada pelos anos de exploração dos que têm pele negra. O estilo narrativo denota uma coragem grande, que incita no público uma curiosidade atroz, de como seria a régia de Queiroz em um pomposo e caro blockbuster, com expectativa de que tal filme tivesse uma mensagem tão densa e reflexiva quanto neste.