Tag: Semana dos Realizadores

  • Crítica | Baixo Centro

    Crítica | Baixo Centro

    De Minas Gerais, Baixo Centro é um longa de Ewerton Belico e Samuel Marotta que começa com a andança de Djamba interpretado por Marcelo de Souza e Silva, ao som dos tambores que tocam no ritmo dos Ogãs, prenunciando o drama com elementos das religiões afro brasileiras que ocorrera ali.

    Logo , aparece Robert , o personagem do sempre brilhante Alexandre de Sena, e ele encontra Teresa, uma menina bonita que está nos arredores de um baile de rua que toca rap nas alturas. A moça é feita por Cris Moreira. Logo, aparecem outros personagens, pessoas tão perdidas quanto esses primeiras, gente que não o rumo de seu próprio futuro.

    O hiper naturalismo de Belico e Marotta é embalado também pelos funks tocados durante as andanças dos personagens, onde a maioria das letras dessas músicas tem um discurso consciente e de protesto. Isso acontece sobretudo nas cenas que tem casais no centro das atenções e diálogos entre os jovens.

    Quando andam sozinhos, os personagens são perseguidos com uma câmera que não os apressa e que só observa o lento caminhar desses, algumas vezes acompanhado de uma música instrumental alta, denunciando ou perigo ou angústia, embora essas promessas não se cumpram em meio aos 80 minutos de exibição.

    Baixo Centro tem um desfecho que mira um certo ideal poético, com uma justaposição de rostos em tela que tem o intuito de mostrar que os destinos dos personagens são bastante parecidos, independente até dos rumos que eles dão para os seus atos, mostrando que fatores externos como o social e as forças das autoridades tem peso sim dentro das suas rotinas pessoais. O texto de Belico e Marotta tenta mostrar seus personagens lidando com as frustrações e dificuldades típica da era moderna, mas não consegue chegar a grandes conclusões em meio a observação contemplativa que faz de todas essas situações, e do fracasso que é a tentativa de socializar dentro das grandes cidades, pois as maiores formas de afeto mostradas no filme e na realidade tangível, acontecem em pequenos grupos, geralmente de casais e não em coletivos como se deveria intuir em um grande cidade que reúne tantas milhares ou milhões de pessoas.

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  • Crítica | Inaudito

    Crítica | Inaudito

    De  Gregorio Gananian, Inaudito é um longa metragem que mira ser  um filme ensaio, a respeito do lendário guitarrista Lanny Gordin, o mesmo que eletrizou Gal Costa, Caetano Veloso, Jades Macalé e companhia, e o modo com a historia é contado varia entre a narração do mesmo e imagens dos lugares que ele julga importantes para a sua carreira. Em suma, é um filme itinerante.

    Já no começo, Gordin toca a música Eu Nasci na China, repetindo que o nome dela se dá por seu local de nascimento. Isso pode parecer obvio para quem o conhece e talvez desimportante para o leitor, mas fato é que Gananian bate nessa tecla o tempo inteiro, para entender Lanny é preciso saber que ele é um cosmopolita, um homem do mundo, capaz de representar esse caráter globalizado no bom sentido em seu trabalho e música.

    O exercício de linguagem lembra bastante outra obra, Sutis Interferências da Paula Gaitan, que fala a respeito de Arto Lidnsay, inclusive na forma de passar as informações e sensações de seus filmes. Nesse ponto, a dificuldade de se expressar por palavras que Gordin tem serve ao filme, dando ele um tom dramático e que exige atenção, ao mesmo tempo que torna ele um pouco complicado para apreciar. Esse é um filme que não deveria passar em uma sala de cinema comum, e sim em uma experiência mais sensorial

    Ao mesmo tempo em que o filme se excede por ser refém de sua formula, a representação da facilidade que o biografado tem em tocar quase qualquer instrumento e estilo é muito bem representada, assim como a sensação de que a arte em sua forma bruta não é entendido pelas pessoas normais.

    Gananian conduz um que filme que filosofa muito, que é espiritualista e conversa com a memória / espírito de ícones musicais (algumas vezes até de maneira literal, como é com Jimmy Hendrix, onde Lanny demonstra sua admiração), e no sentido de falar em legado,  Inaudito acerta demais, apesar de claramente ser longo demais sua exposição e exploração, ainda assim, é uma obra forte.

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  • Crítica | Espera

    Crítica | Espera

    Com direção de Cao Guimarão, o longa-metragem Espera começa mostrando um ensaio de música grandioso, de uma orquestra, para logo depois filmar a plateia, dispersa, mexendo em seus celulares praticamente não havendo ali qualquer conversa que não seja on line e isso só para  quando a luz apaga e os músicos começam a tocar. A narração é estabelecida já nesse começo e serve como um guia do espectador diante da abordagem escolhida por Guimarães.

    Logo é mostrado Gael Benítez , um jovem menino trans, que diz estar em transição para assumir sua identidade de gênero e sua simpatia faz com que seja fácil ter empatia pelo seu caso. Fora isso, o filme analisa um porteiro, que fica na guarita do prédio, não tem muita ocupação a não ser esperar atender alguém que entre, vigiar ou ser chamado por alguém, logo depois alguém preparando algo com uma seringa para injetar hormônios e acelerar o processo de transição, ainda se mostram pessoas nas filas para receber mantimentos básicos, também espera de um fotógrafo pela revelação de suas fotos, tudo no filme evoca o seu título, e o caráter de aguardar algo toma toda sorte de urgência aqui.

    A narração contínua atrapalha alguns dos momentos, especialmente os que tem a intenção de soarem oníricos, pois os deslumbramento que algumas das imagens poderiam provocar ou são abreviadas ou simplesmente não ocorrem graças a essa interferência. Em alguns pontos ela soa bastante incômoda, impedindo que o espectador chegue as próprias conclusões.

    O fato de ser um filme quase imóvel torna a apreciação de Espera um pouco enfadonha. O resultado final é de um produto morno, que mira uma abordagem tocante e hermética e que nem sempre acerta em sua abordagem lírica, se tornando um pouco genérica na maior parte de sua duração.

    https://vimeo.com/287656572

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  • Crítica | Calypso

    Crítica | Calypso

    De Rodrigo Lima, sujeito que costuma editar os filmes de Julio Bressane como Cleopatra e que recentemente lançou Espelho, e Lucas Parente, Calypso é mais um dos filmes experimentais que correm os festivais de cinema do Brasil entre eles a 10ª Semana de Cinema. A historia do filme se passa em uma época pós apocalíptica quase, em que dois personagens, Ulysses e Calypso vivem em um exílio.

    Walter Reis e Julia Gorman atuam bem em momentos distintos, quase sempre, estão separados, habitando sozinhos seus dias na ilha em que ficam, a espera de um encontro que provavelmente não virá. Tal qual os projetos da Tela Brilhadora e Operação Sonia Silk, esse é um filme experimento, sem uma linha narrativa muito estabelecida, e que se dedica a falar da existência com cenas quase sem diálogos, com falas soltas que não explicam ou explicitam qualquer coisa a respeito do universo implantado ali.

    Há muita tentativa de poetizar entre as cenas, e algumas são filmadas com ângulos muito bonitos, que destacam cenários internos e externos como belíssimos, mas a maior parte deles o drama soa presunçoso, hermético de um jeito que não se justifica. Se tivesse a duração de um curta-metragem certamente seria mais palatável soaria menos pretensioso. A ideia do filme não é ruim, mas soa genérica diante de tantas outras obras envolvendo o grupo de artistas que normalmente produz esses filmes, a saber Moa Baldoni Badsow, Bruno Safaedi, Julio Bressane etc.

    Ao final, há um momento mais emocionante e épico, com uma musica clássica posta em volumes nas alturas com uma paisagem da praia onde  ao fundo se assiste o trabalho de uma fábrica, com chamas sendo expelidas para fora, fazendo o espectador se indagar se a expectativa de vida e civilização era aquilo, era a chegada do trabalho. Calypso é um filme de belas intenções, mas que se perde nelas na maioria das vezes.

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  • Crítica | Sol Alegria

    Crítica | Sol Alegria

    Sol Alegria é um filme que parte de um cenário político brasileiro fantasioso, mais ainda calcado um pouco na realidade de 2018 e 2019. O país é governado por uma junta militar e boa parte dos pastores evangélicos atribuem as desgraças que acontecem ao povo ao apocalipse que se avizinha. Em contraponto, uma família viaja para entregar armas a um grupo de militantes opositores formado por freiras, e que vivem da renda de uma plantação de cannabis. O objetivo do grupo é chegar à salvo na aldeia da Falange Sol Alegria.

    Essa família tem métodos violentos e mata qualquer opositor seu, ou seja, assassinam os pastores, bispos e demais religiosos, a fim de tentar enfraquecer seus inimigos, além de estabelecer uma oposição mais enérgica e menos afeita as idéias de paz e amor, ainda que no comportamento de toda a família exista a mentalidade de amor livre.

    Há no filme de Tavinho Teixeira e Mariah Teixeira uma proximidade temática aos filmes recentes de Adirlei Queiroz, Era Uma Vez Brasília e Branco Sai, Preto Fica, embora claramente Sol Alegria seja muito mais apegado ao metafísico que esses dois, e tenha discussões voltadas para outro espectro de excluídos. Em comum entre esses universos, há a questão de um governo onde conservadores são soberanos e quem sofre são as minorias e periferias.

    A ideia que o roteiro propõe é que os desvalidos e mazelados se unam e provoquem o mal com violência aos que se valem da autoridade e poder para espalhar seus próprios preconceitos. Para isso os estereótipos são normalmente invertidos, com algumas das freiras sendo interpretadas por homens, com relações sexuais homo-afetivas vividas de maneira incestuosas, e claro, com o armamento da população mais pobre.

    O modo como retratam a irmandade católica pode ser encarada por parte do público mais conservador como profano, basicamente porque o longa retrata esse grupo formado por pessoas sem maiores prendimentos morais ou recalques sexuais. Cada um lida com sua sexualidade como quer e a nudez não só para eles como para quaisquer dos personagens centrais é um aspecto hiper natural, não erotizada, necessariamente. Entender que os católicos de Sol Alegria são apóstatas basicamente revela uma fobia não só ao sexo, como também um desejo egoísta de que qualquer gênero que perverta ou subverta os parâmetros de heteronormatividade, o que por si só é anti-ético e desonesto, não só pela crueldade da exclusão, mas também pela tentativa fracassada de tentar velar ou envernizar um preconceito.

    Nota-se também uma forte influência de dois diretores estrangeiros, Bruce la Bruce, em especial o recente Misandricas, que também representa o grupo religioso católico de forma que foge dos clichês, e John Waters, sobretudo os produtos mais undergrounds como Problemas Femininos (Female Trouble) e Viver Desesperado (Desperate Living), que tinham uma visão de mundo muito particular, dadaísta e niilista, em comum com o filme dos Teixeira, há o fato de se basear em espectros políticos de seu tempo para evocar a vilania.

    O final do filme, com o número artístico da família, tem seus altos e baixos, além de ser um pouco extenso, mas ainda assim reflete bem como a sociedade fora dos parâmetros estabelecidos. O fato de apelar para um discurso escatológico, de quase fim da humanidade obviamente não ocorre por conta daquela família que Sol Alegria acompanha, tampouco os residentes da chácara que leva o nome do filme, e sim dos agentes externos a tudo isso, e essa sensação de revolução libertária é muito bem pontuada por Tavinho e Mariah e faz temer a que ponto a realidade tangível poderá se aproximar do estado do filme.

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  • 10ª Semana de Cinema Balanço Curtas e Médias

    10ª Semana de Cinema Balanço Curtas e Médias

    A Semana de Cinema é um festival diferenciado inclusive sobre os formatos que costuma passar em sua programação. Além dos comuns longas metragens e curtas, há também a exibição de médias metragens, formato esse de difícil veiculação até em mostras de cinema. A ideia aqui é comentar um pouco dos principais filmes veiculados durante o festival e que pode ser conferido logo abaixo.

    Perpétuo (Lorran Dias)

    Curta carioca, filmado na Baixada Fluminense, de estética naturalista e que registra pessoas bastante comuns vivendo os seus dias comuns. O cenário de Comendador Soares serve para exemplificar a normalidade do cidadão da baixada e também para embalar um pouco da poesia que Lorran Dias vê no lugar e de fato ha algo muito forte nessa parte da região central fluminense, além disso, uma das atrizes do filme se dedica a cantar e a câmera capta seu momento de brilho, na intimidade de seu lar, sem nenhum espectador que não as crianças que lá habitam. Uma pequena pérola em forma de filme e cantoria, abençoada pelos orixás a quem o curta presta culto.

    A Poeira não quer Sair do Esqueleto (Daniel Santiso e Max William Morais)

    Filme árido, mostra as montanhas e favelas, além de fábricas, a maioria parada. O documentário investiga a intimidade do homem pobre, do trabalhador que não tem muito e que vive nas periferias das cidades. O modo como Morais e Santiso conduzem sua história é bem delicada e quando eles se debruçam sobre a questão da retirada de pessoas da Favela do Esqueleto se torna ainda mais cara a situação.

    BR 3 (Bruno Ribeiro)

    Bruno Ribeiro faz um filme sobre personagens trans que reúne elementos de dança, musical, videoclipe e solidariedade. Apesar de mostrar personagens pobres e em condições de abandono, o drama não se preocupa em mostrar qualquer uma das meninas trans como alguém que se auto comisera, ao contrario, por maiores que sejam suas adversidades, elas são positivas e muito vivas.

    Acúmulo (Gilson Júnior e Sarah Andrade)

    Trabalho absurdo de atuação de Lea Garcia, já tinha tido a oportunidade de ver esse filme em outro festival. Andrade e Júnior trazem um filme extremamente tocante e simples, mostrando uma senhora já bem idosa, que tem fantasias com seu falecido marido. Filme é todo passado em Nilópolis, e resgata a lembrança dos desmemoriados. É uma linda história sobre saudades.

    Antes de Lembrar (Luciana Mazeto e Vinícius Lopes)

    Antes de Lembrar se utiliza de muitas imagens estáticas acompanhados ou de uma narração ou de sons estridentes. O todo do filme é bem chato, na maioria dos momentos, beirando o insuportável.

    Memórias do Subsolo ou o Homem quem Cavou Até Encontrar uma Redoma (Felipe Camilo)

    Feito por alunos das escolas do Ceará, e narrado  de maneira sussurrada, muito íntima e em alguns momentos, difícil de distinguir o que ele fala. É uma manifestação política justa, mas um pouco óbvia.  Vale pelo relato pessoal de apagamento de familiares e de pessoas próximas e o grito de agonia ao final de quem é perseguido, mas o restante pretensioso pesa contra o curta.

    Alma Bandida (Marco Antônio Pereira)

    Exibido também no Festival de Berlim, começa com um rapaz novo cuidando de Cavalos no interior de Minas Gerais. Apesar desse inicio, é um filme urbano que mostra os jovens tendo que lidar com o comum das cidades grandes, incluindo ai a violência típica das cidades grandes.  As partes mais violentas trocam as cenas reais por imagens de um mod de GTA: San Andreas… saída muito engraçada.

    A Chinesa de Riad (Leonardo Amaral e Roberto Cotta)

    Começa com duas pessoas se auto gravando, no Smule, com essas mesmas pessoas cantando, um rapaz branco e uma chinesa que canta demais. A Câmera vertical conduz as conversas do casal, geralmente em tela dividida, mas não vai muito além disso, sendo só outro filme sobre relacionamentos e sobre o nada

    Tea For Two (Júlia Katharine)

    Dirigido pela estrela de Lembro Mais dos Corvos, a atriz e diretora Julia Katharine dá vazão a um projeto pessoa seu carregado de paixão. Tea for Two conta com Gilda Nomacce esplendorosa e mostra uma mulher muito decidida do que quer e que defende as outras que estão em torno de si, incluindo aí a personagem de Katharine, basicamente porque ambas não tem vergonha de liberar sua sexualidade. O roteiro surpreende pela quantidade imensa de camadas e pelos assuntos que sugere mesmo que não se aprofunde muito nessas questões.

    Dias e Dias (Getúlio Ribeiro e Melissa Fremiot)

    Filmado em preto e branco, mira um ideal poético mas soa extremamente artificial e pretensioso. Tenta falar sobre como pessoas comuns vivem de arte, mas não consegue romper a aparência pequena burguesa.

    Nome de Batismo – Alice (Tita Chitunda)

    Filme pernambucano, resgata as memórias de uma menina, chamada Alice que viaja até a Angola para tentar remontar seu passado e descobrir o motivo de se chamar assim, já que teria sido batizada em homenagem a uma parente de mesmo nome. É um filme bem pessoal, e muito tocante, mas é surpreendente porque estava em uma mostra competitiva em um grande festival  exatamente por não fazer tanto sentido para a maior parte das pessoas, isso se explica provavelmente por essa historia ter ecos na história geral do país africano. É filmado de uma maneira bem bela e a narração é bem empregada, fato bem raro aliás.

    Cinema Delas (Carol Vilamaro)

    Cinema Delas é um manifesto sobre a filmografia das mulheres normalmente esquecidas. Entrevista algumas pessoas desconhecidas e conhecidas do cinema, todas mulheres, entre elas as diretoras Carmen LuzAdelia Sampaio, Lucia Murat, a diretora de fotografia Bia Marques, a técnica de som Joice Scavone (uma das melhores entrevistas, aliás), a montadora Fátima Rodrigues, a diretora de arte Celia Maracujá.

    Luz diz que uma vez, em uma viagem a África, ela percebeu o poder que a câmera tinha na mão de mulheres africanas, cineastas ou não, as mulheres se sentiam munidas de uma capacidade que antes não tinham ou não pareciam ter. Essa é só uma das muitas demonstrações e historias que não necessariamente são lamentos no filme.

    Em alguns pontos as mulheres lamentam a falta de respeito que os homens tem por seus trabalhos, seja subestimando suas capacidades ou simplesmente tratando-as como se não fossem profissionais. Outras historias são curiosas, Murat por exemplo fala que Praça Paris foi todo feito por uma equipe de mulheres, enquanto sua filha Julia  já tem uma equipe normalmente cheia de mulheres.

    Scaveman reporta duas historias diferentes e pesadas cada uma a seus modo, a primeira, de que atrizes reclamavam que os os auxiliares de som colocavam microfones de lapela de uma maneira constrangedora. Óbvio que o colocar desses microfones é quase como um toque de um médico, mas o que eles faziam para causas esse incômodo? E outra questão central é que quando as mulheres pedem cachê, normalmente tem que pensar em quanto custará uma babá, e se a profissional for mãe e seu marido também for da área, é meio que tarefa da mulher procurar esse tipo de profissional.

    Cinema Delas acerta demais ao dar voz a essas profissionais, apresentando alternativas e organizações que podem ajudar outras mulheres no ramo áudio visual, além de trazer a memoria bons filmes dirigido por mulheres.

    Guardiões da Memoria (Alberto Alvares)

    Alberto Alvares faz um filme sem apoio, de resgate a questões muito importantes de tribos guaranis que habitam o território que hoje é conhecido como o Rio de Janeiro. O registro das cinco aldeias é muito bem feito, as imagens são orquestradas de maneira simples, emulando boa parte do cotidiano dessas pessoas que só querem viver sem serem perturbadas e que não precisam da interferência de outras pessoas.

    Alvares consegue acertar demais no sentido de resgatar as lembranças dos Tekoa, não só por mostrar suas rezas e os locais sagrados onde elas acontecem, mas também ser ele mesmo familiarizado com essa narrativa, uma vez que sua etnia é Guarani Nhandewa e ele veio da aldeia Porto Lindo no Mato Grossos do Sul. Seu trabalho como professor e tradutor de Guarani serve demais ao seu filme. Alvares é radicado no Rio de Janeiro desde o começo da década e é desse tempo que vem sua dedicação ao audiovisual e curiosamente seu filme tem como principal fator positivo o fato de conseguir expressar as historias através da fala dos próprios biografados. A direção de Alvares é uma co-contadora da historia mas o protagonismo é dos líderes tribais, indiscutivelmente.

    A sensação que fica após a apreciação do filme é de mais curiosidade, poderia facilmente seguir contando mais histórias  deste povo e destas aldeias e fica a expectativa por mais trabalhos de Andrade.

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  • Crítica | O Chalé é uma Ilha Batida no Vento e Chuva

    Crítica | O Chalé é uma Ilha Batida no Vento e Chuva

    A surpresa por traz de O Chalé é Uma Ilha Batida no Vento e Chuva é enorme, pois seu começo de certa forma não faz jus a toda a complexidade de texto e de atmosfera que o decorrer do filme trará. A ideia por trás dessa história veio do desejo da diretora, Leticia Simões em retratar um pouco da vida e obra do romancista Dalcidio Jurandir. Para isso, ela decide viajar até o Pará praticamente sozinha em um lugar que mal tem sinal de celular para tentar capturar um pouco de quem era Dalcidio.

    O documentário não se apega a muitas fórmulas e ao invés de perguntar às pessoas o que elas achavam de Dalcidio, basicamente mostram os lugares que ele frequentou acompanhado de seus textos. A investigação passa por escolas do Pará, onde são entrevistados alunos e professores e há um interesse genuíno pelas perspectivas de vida dessas pessoas. A reflexão sobre a educação acaba sendo não só local, mas nacional, e desata alguns nós e dúvidas bem específicas. Uma professora diz que boa parte dos pais prefere colocar os filhos para trabalhar ao invés de estudar, enquanto outros profissionais falam de algo óbvio que é o desrespeito que boa parte dos alunos tem em sala de aula.

    Os versos de Dalcidio são ótimos e bem escolhidos. A justaposição das imagens com o som de suas palavras é muito boa mas em alguns pontos a narração não soa tão acertada soando inclusive burocrática. Apesar de Simões ter uma voz boa, em alguns momentos soa excessivamente lento, mas em tanto outros a leitura é intensa, e mesmo quando não está perfeito ainda há naturalidade. As divagações sobre literatura e como fazê-las agrega demais às imagens coletadas. Algumas cenas claramente tem as lentes sujas e colabora com o longa, já que conversa com um cinema de verdade, feito com baixo custo, suor, esforço e muito trabalho.

    Há um ternura muito forte e a captação do trivial que a diretora faz condiz demais com o que fala a obra de Dalcidio. As cenas por dentro do rio, nas águas do arquipélago de Marajó filmadas a partir de uma jangada são de um primor tremendo e o resultado final de O Chalé é Uma Ilha Batida no Vento é uma celebração à vida no norte do país, além de evocar a memória de Dalcidio de maneira muito tocante, talentosa e bela.

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  • Crítica | O Pequeno Mal

    Crítica | O Pequeno Mal

    O filme de Lucas Camargo e Nicolas Thomé Zelune começa com uma narração em off, enquanto a imagem vai lentamente se abrindo, com um foco redondo mostrando uma gravura. O Pequeno Mal trata de relações e da dificuldade do homem se abrir com o outro, e se enxergar como parte de um coletivo. Essas sensações são passadas ao espectador principalmente pela vivência de João (João Paulo Bienemann), um garoto bastante distante até de seu parceiro, e de Janaína (Janaina Afhonso), uma menina epiléptica que cuidavam um do outro, e decidem morar juntos, a fim de sobreviver na capital paulista.

    No noticiário televisivo, se fala de um incidente que ocorreu na estação de metrô de Pinheiros, quando ela ainda estava sendo construída, e tal situação de calamidade de certa forma conversa com o ideário pessimista e niilista de Janaína e João. O filme se dedica a uma melancolia típica das metrópoles urbanas e se vale desse sentimento bastante comum para tentar arrebatar seu público.

    O filme tem uma linguagem que foge um pouco das fórmulas narrativas mais catedráticas, deixa muitos conceitos e respostas em aberto, e isso pode incomodar um pouco o público. Sua duração é curta de pouco mais de 70 minutos e não há gorduras no filme, todos os dramas apresentados são desenvolvidos na medida. A desolação de alma dos personagens é muito bem exemplificada, seja pelos problemas de saúde de um ou pela dificuldade do outro em se relacionar carnal e emocionalmente com quem quer que seja.

    Os elementos fantásticos dos quais o filme se mune são mostrados normalmente em momentos em que não há como distinguir se são reais ou não, e a dualidade faz o filme crescer, em especial porque o trabalho da direção de arte remete a um período meio barroco, fazendo lembrar as primeiras produções dirigidas por Roger Corman (em especial as que adaptam Edgar Allan Poe) e algumas da Hammer Films (as que tinham Christopher Lee e Peter Cushing, principalmente), mas O Pequeno Mal é bem mais que apenas um filme de referências, e apesar de não ser perfeito, demonstra um belo potencial da dupla de diretores.

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  • Crítica | Parque Oeste

    Crítica | Parque Oeste

    Documentário de Fabiana Assis que fala sobre a condição de moradia no estado de Goiás e o espinhoso assunto relacionado as ocupações, Parque Oeste começa com um vídeo institucional sobre a capital Goiânia, uma cidade cuidadosamente organizada, ao menos é o que diz na propaganda. A diretora utiliza da ironia para quebrar a quarta parede e aliviar um pouco as tensões antes de começar a se aprofundar mais nas questões nevrálgicas de seu filme.

    O documentário é conduzido e narrado por uma mulher chamada Eronilde Nascimento que foi moradora do antigo parque oeste, que anda tranquilamente pelas ruas da cidade como uma autêntica filha da terra anda sobre seu lugar de origem. A conversa com o restante do povo é bastante franca e toda gente que passa por ela é tão simples quanto a própria. Por mais natural que essa movimentação possa parecer nesse momento, houve uma época que não era exatamente deste jeito.

    Segundo as pessoas entrevistadas, o Parque Oeste servia para desova de corpos e desmanche de carros antes de se tornar o lar de tantas famílias, não mais do que de repente muitas barracas começaram a aparecer, e aquelas terras foram sendo habitadas por milhares de famílias, em um movimento muito parecido com a favelização que tomou algumas das capitais do Brasil. Para muito além de qualquer discussão demográfica o que o filme de Assis tenta estabelecer é o óbvio, mostrando que o que tinha nesses espaço eram vidas habitando o lugar, mas esse entendimento básico não parecia estar no pensamento das autoridades.

    Há uma gravação do então governador Marconi Perillo, intercedendo para que se apressasse a desapropriação dos terrenos, e que essa fosse executada pela Prefeitura. A fala de Perillo faz notar alguns fatos, primeiro o óbvio e total descaso com que ali morava e segundo o complexo de Pôncio Pilatos que tinha, pois queria lavar as mãos e deixar a violência política ocorrer através do poder municipal e não em sua alçada. A discussão que o filme propõe a respeito da moradia como função social se estende para além da teoria e se torna prática.

    As cenas de tiroteio registradas por câmeras amadoras não são tão boas, basicamente por serem gravadas por pessoas sem técnica, no entanto, elas garantem uma veracidade absurda, pois são eventos reais registrados por quem sofre com as ações truculentas. As cenas são dignas dos fronts de guerra, e onde a qualidade das imagens peca em mostrar o mal agouro, seja por falta de qualidade ou por medo do cinegrafista, o som preenche o restante do imaginário de quem assiste e é simplesmente assustador, especialmente porque uma das “cenas” ocorreu às oito da manhã, com boa parte das treze mil pessoas que ali habitavam despertando do sono.

    Os moradores se abrigavam em barricadas, para se proteger do lançamento de bombas, e mais tarde, um ônibus transportava os despejados. Esses eventos formam uma sequência tragicômica e quase teatral, apesar do pragmatismo hiper-realista das ações de garantia da lei e da ordem. Os policias batiam nas mulheres sem qualquer pudor e essa era só uma das muitas violências que ocorreram. Em torno de 3500 moradias  foram derrubadas, com os tratores passando por cima das casas. Os desabrigados e despejados ficavam tão mal que cediam a paranoia e desconfiança até com as marmitas que recebiam do governo, temendo que essas estivessem envenenadas.

    Algumas partes do longa-metragem já foram utilizadas em outro filme de Assis, Real Conquista, um belo curta também de cunho político. Parque Oeste serve não só como continuação dele, mas também como expansão da discussão e temática, tão emocionante quanto outro, causando e ampliando as discussões a respeito de moradia e o direito de ir e vir. Apesar de ter alguns problemas de ritmo, que dispersam um pouco do público, o desfecho é muito bem pontuado por um rap que fala da realidade das desocupações e do povo que sofreu na pele, morrendo, sendo despejado e destituído do direito à moradia.

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  • Crítica | Fôlego

    Crítica | Fôlego

    Fôlego, do diretor Renato Sircilli foi um dos longas que correram os festivais de cinema nacional entre eles a 10ª Semana de Cinema. Sua estrutura narrativa mistura elementos entre a ficção e documentário, e seu começo envolve um dos personagens mexendo no computador, onde Nato acessa alguns programas.

    Esse início, quase como um epílogo, guarda semelhanças espirituais com outro filme brasileiro dos últimos anos, o documentário A Vida Privada dos Hipopótamos, mas não demora a mudar seu caráter, mostrando seu elenco inclusive com rostos famosos. A conversa, por texto e áudio em alguns pontos, é entrecortada pelas interferências dramáticas, normalmente com vídeos de baixa resolução e tela pequena e em outras com qualidade maior preenchendo toda tela.

    A questão de misturar elementos de ficção com documentário talvez confunda o espectador. Aparentemente, os personagens em tela não são pessoas reais, ao menos não ipsis literis, embora não se descarte a possibilidade de algumas situações terem realmente ocorrido, o fato é que o filme Fôlego existe dentro da narrativa metalinguística estabelecida, assim como quem assume o computador no começo é Nato, abreviação obviamente do nome do diretor, e mesmo o modo como o longa é fotografado lembra muito um estilo de documentário, como já foi utilizado até em filmes mais hypados, a exemplo de Tropa de Elite e Cidade de Deus, embora a linguagem de filme dentro do filme não impere nesses dois.

    Bruno Monteiro, o rapaz com que Nato conversa se vê interagindo com Luciana Paes, que faz uma caixa de mercado que se interessa pelo trabalho teatral dele, e sua rotina envolve coisas simples cotidianas, como o registro de suas atividades físicas para expor nas redes sociais, seus almoços, idas às compras e até mesmo sexo grupal, ainda que esse último não se saiba se era algo natural ou proposto dentro do roteiro dramático. Essa mistura faz bem a obra, e gera curiosidade em como Sircilli construiu esse texto.

    Durante a exibição, a fórmula de Fôlego se desgasta um pouco e o mirar em ser um objeto idílico faz o filme se perder um pouco nas divagações ultramodernas que propõe, ainda assim, há boas discussões e reflexões sobre a obsolência programada não só de produtos mas também dos homens e suas relações. O roteiro de Mariana Vieira, Moreno e Sircilli divaga demais e soa um pouco confuso, mas a beleza das imagens que Renato escolhe mostrar ajudam a tornar esse exercício de linguagem em algo singular.

    https://www.youtube.com/watch?v=EbQU-dHHvEQ&fbclid=IwAR3nXGiITyigi1DE_v9n2zlz1HIwbbwcr7Kowe7dUYYT-O-SNUgHWNsb2c8

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  • Crítica | Bloqueio

    Crítica | Bloqueio

    Bloqueio começa logo após um letreiro de informe em tela preta, com uma câmera que passa pelo para-brisa de um carro, emulando o mesmo trajeto que as boleias de caminhão sempre fazem. No caminho, placas pedindo intervenção militar e outras de louvor a ultradireita. O longa se foca na paralisação dos caminhoneiros ocorrida no primeiro semestre de 2018 e parte dele para traçar um panorama sobre uma boa parte da população brasileira mais simples, mostrando o que e como pensam política.

    A obra de Victória Álvares e Quentin Delaroche pode até ser um filme politicamente enviesado, mas não ignora os lados ideologicamente opositores às pessoas que conduzem essa história, ao contrário, os trabalhadores falam abertamente sobre o que querem, suas reivindicações e ideias de como seria o futuro do país. Também se mostra os momentos de lazer dos caminhoneiros, fazendo churrasco em lugares improvisados, com gambiarras até nos chuveiros que por sua vezes estão atrelados a baldes. Quase tudo ali é improvisado.

    Da parte dos que se manifestam, há muitos gritos de Fora Temer, mas a maioria se declara como possível votador das pautas de extrema-direita. Uma das lideranças, Marcos da Silva dos Santos, é bastante enfocado e é ele que em muitos momentos faz o meio de campo entre os caminhoneiros e outras figuras de autoridade, em especial as espirituais, pois muitos pastores estão ali presentes. Isso de certa forma conversa com o recente documentário Eleições, de Alice Riff, e com sua entrevista onde se fala sobre o papel das igrejas neopentecostais junto à população mais pobre. Num dos cultos de jejum e oração, um líder neopentecostal faz uma oração que é repetida pelo povo, como uma reza artificial e pré-fabricada, longe demais do ideal de se falar com Deus de maneira íntima. Há uma intenção clara de denunciar o quanto aquilo tudo parece falso.

    Os debates entre movimentos de esquerda com os trabalhadores mostrado no filme está longe de ser de igual para igual, mas ainda assim há uma tentativa de diálogo, bastante sincera e isso vem de encontro a tentativa que a esquerda tem feito para tornar seu discurso mais palatável e menos acadêmico, de fácil entendimento, mas o processo é lento e mesmo nesse corte do filme se observa a rejeição por parte das pessoas mais simples. O processo de convencimento é lento e gradativo.

    A falta de esperança e desolação são os responsáveis pelo pedido dos caminhoneiros por intervenção militar, para a maioria deles o exército ainda é uma instituição respeitada e capaz de auxiliá-los, estabelecendo a ordem para pavimentar o país de novo no rumo do progresso. Bloqueio fala sobre muita coisa e peca por ter somente um tom, mas seus temas fazem até esses equívocos não soarem tão graves.

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  • Crítica | Era Uma Vez Brasília

    Crítica | Era Uma Vez Brasília

    Para entender Era Uma Vez Brasília é preciso ter visto Branco Sai, Preto Fica, filme anterior do diretor e roteirista Adirley Queiroz, uma vez que a distopia que o realizador pretende apresentar tem alguns pequenos elementos apresentados no longa citado. A questão mais importante é que aqui o cunho de ficção científica é muito mais assumida que no restante da filmografia, e esse é só o começo dos problemas dele.

    Quando lançou seu filme em 2014, Adirley não parecia temer coisa alguma. Seu filme foi digerido de maneira diferente por parte da crítica, mais aos poucos ele foi assumido como um produto de vanguarda, antecipando algumas tendências para o cinema independente do Brasil, especialmente o de gueto. As partes experimentais são curtas, então as questões paupérrimas de seus filmes soam aprazíveis, ainda que mambembes, já que não é esse o maior foco do filme. Na trama, o principal plot é calcado no caráter de sci-fi, usando como pano de fundo o golpe parlamentar cometido no primeiro ano do segundo mandato da então Presidenta Dilma Rousseff.

    O comentário político é vazio, assim como os dramas vividas ao longo do filme. O personagem que mais tem tempo de tela é WA4 (Wellington de Abreu) que vem do planeta Kaspenthal, fato que é pura perfumaria, já que não faria diferença se ele viesse do Tocantins ou Baixada Fluminense. A tentativa de tornar o drama desse alienígena em algo universal esbarra tanto em sua falta de carisma quanto nas situações de dificuldades que ele sofre, já que não dizem absolutamente nada ao espectador. Marquim do Tropa retorna aos filmes de Queiroz, mas não repete o mesmo brilho, até por ter pouca chance de transbordar sua dramaticidade. De positivo no elenco há a participação de Andreia Vieira, uma mulher que sofreu um assédio e ainda acaba presa pela sistema judicial brasileiro. É curioso como mesmo sendo uma vítima, ela é constantemente interrompida pelos homens, mostrando que independente do lado onde estão, o comportamento machista que visa calar a voz da mulher é em essência o mesmo, resta saber se a intenção do texto era de denúncia ou puro ato falho.

    “Era uma vez” é uma expressão que remete ao começo de algo, ao início, gênese , mas o filme aqui é sobre o destino final, o desfecho de algo, sobre um estado que já acabou e sobre um Brasil falido. As falas separadas de Dilma e Michel Temer durante o julgamento do impeachment e após a posse do antigo Vice-Presidente tentam estabelecer uma ponte com a realidade atual do Brasil. Achar que isso é o suficiente para estabelecer um cenário pós-apocalíptico, mesmo que alegórico soa pueril. O roteiro faz pensar que há de fato em volta do governo e política petista uma inocência boba e um espírito paladínico, fato que parece ainda mais maniqueísta e descolado de qualquer realidade mediante aos acordos que o partido fez (e faz). Nenhum universo paralelo justifica essa visão infantil sobre o complexo panorama político brasileiro.

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  • Crítica | Baronesa

    Crítica | Baronesa

    De Juliana Antunes, o longa Baronesa brinca com os detalhes da vida cotidiana dos favelados de Minas Gerais, em especial Andreia Pereira de Sousa e Leid Ferreira. O filme começa mostrando a vida de Leid e seus filhos, que vivem juntos em uma casa muito simples, tentando se virar sem grandes recursos, enquanto o pai dos garotos está preso.

    O longa começou como um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) e impressiona demais pela naturalidade com que as cenas se desenrolam, uma vez que há uma mistura enorme de personagens e intérpretes. O trabalho da produção de se mergulhar na rotina das mulheres é recompensado com uma conversa franca e parecida com a realidade.

    Quase não há trilha ao longo do filme, com exceção ao final com a música Vida Loka – Parte II, de Racionais Mc’s, e outros momentos em cenas esparsas. Fora isso, as músicas aparecem na boca das pessoas que a câmera flagra. Talvez o maior problema mora exatamente no misto de documental e ficção. A questão é que para Leid e Andreia talvez seja perigoso caso o filme chegue ao conhecimento dos traficantes reais, já que tudo o que está em tela foi filmado dentro das favelas, que estavam em guerra, por sinal. O fato de ter evoluído de um trabalho acadêmico para um evento premiado em festivais tem seu preço, e popularidade. Há de ser cuidado com isso.

    O modo com Antunes registra suas imagens é bastante curioso. O fato de rodar tudo in loco torna a apreciação de Baronesa em um mergulho na intimidade de tantas pessoas que vivem uma realidade semelhante aquela passada nos bairros de Belo Horizonte, Juliana, Jaqueline, Vila de Mariquinha, uma vez que aquela quebrada é bem semelhante a tantas outras pelo Brasil metropolitano. No entanto, falta algo dentro da proposta, que parece ter mais contemplação do que ânsia por contar uma história , exceção feita a questão da guerra do tráfico, que no final das contas , também não causa tão grande impacto na vida das duas mulheres, exceto por uma perda que elas já esperavam. Fora isso, nem o naturalismo chega por de qualquer ineditismo ou mera novidade, soando só mais um filme comum desse sub gênero.

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  • Crítica | Arábia

    Crítica | Arábia

    Arabia é um filme de João Dumans e Affonso Uchoa, que já haviam trabalhado juntos em A Vizinhança do Tigre. O drama, vencedor do prêmio de melhor filme do Festival Brasília desse ano, conta história de pessoas simples, de uma vila no interior de Minas Gerais, ao menos em seu começo. A história de fato começa após o adoecimento de Cristiano (Aristides de Sousa), o narrador da trama pensada por Dumans e Uchoa.

    A vida de sertanejo estudada aqui é feita sem floreios ou profundas reclamações ante as adversidades múltiplas da vida. O primeiro personagem enquadrado é André (Murilo Caliari), um garoto que vive com seu irmão e que quase não tem contato com os pais, uma vez que ele viaja muito. Cuidado por sua tia, uma solícita enfermeira, é ela que pede para o garoto ir atrás de uma roupa e documentos do doente. O menino acha um caderno e começa a lê-lo, um texto seco e rasgante, cortante como um fio de espada afiada e simples em essência.

    Cristiano era um peão, um homem qualquer. Um homem sem grandes brilhos e talentos que sofreu muito durante a vida e já fez de tudo. O conjunto de serviços realizados e as agruras que sofreu são um resumo das atividades comuns a qualquer proletariado brasileiro, passando por eventos extremos como ter ficado preso um tempo e até mesmo trabalhando em uma fazenda sem nada receber, em uma demonstração simples e enfática de como é necessário um conjunto de regras éticas que visem proteger minimamente os direitos do trabalhador.

    De certa forma, o que é mostrado no cotidiano do protagonista, rima com uma poesia sobre o sujeito comum, ainda que qualquer possibilidade de erudição ou fantasia fuja completamente do belo roteiro apresentado. A história que se passa em Minas poderia se enquadrar em qualquer lugar interiorano, seja pelos personagens engraçados que cercam Cristiano, ou pelos dissabores que a vida lhe prega.

    Apesar da simplicidade de pensamento, o personagem que narra Arabia consegue chegar a uma conclusão profunda, terminando seu texto com um profundo lamento sobre o capitalismo, enxergando a si mesmo e aos seus como parte do gado manipulado, como seres coisificados, algo descartáveis quando não mais há interesse. Essa percepção prova dois pontos, sendo o primeiro a força que uma epifania pode acarretar, ainda mais depois de uma avalanche de frustrações; bem como a desnecessidade de compor uma diálogo acadêmico e erudito para fazer o trabalhador entender o quanto é explorado e o quanto a vida é cruel com quem está abaixo na cadeia alimentar. Ainda que a trama associe essa tomada de pensamento pela proximidade do fim da vida, a mensagem é clara e evidente, partidária, promovendo uma ode ao povo, servindo de contraponto a tantas dores que o homem popular sofre. Fugindo inclusive de qualquer possibilidade de falsos vitimismos ou qualquer outra falácia oportunista. Arabia é denso principalmente em sua história que valoriza o comum.

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