Tag: Décima Semana de Cinema

  • Crítica | Espera

    Crítica | Espera

    Com direção de Cao Guimarão, o longa-metragem Espera começa mostrando um ensaio de música grandioso, de uma orquestra, para logo depois filmar a plateia, dispersa, mexendo em seus celulares praticamente não havendo ali qualquer conversa que não seja on line e isso só para  quando a luz apaga e os músicos começam a tocar. A narração é estabelecida já nesse começo e serve como um guia do espectador diante da abordagem escolhida por Guimarães.

    Logo é mostrado Gael Benítez , um jovem menino trans, que diz estar em transição para assumir sua identidade de gênero e sua simpatia faz com que seja fácil ter empatia pelo seu caso. Fora isso, o filme analisa um porteiro, que fica na guarita do prédio, não tem muita ocupação a não ser esperar atender alguém que entre, vigiar ou ser chamado por alguém, logo depois alguém preparando algo com uma seringa para injetar hormônios e acelerar o processo de transição, ainda se mostram pessoas nas filas para receber mantimentos básicos, também espera de um fotógrafo pela revelação de suas fotos, tudo no filme evoca o seu título, e o caráter de aguardar algo toma toda sorte de urgência aqui.

    A narração contínua atrapalha alguns dos momentos, especialmente os que tem a intenção de soarem oníricos, pois os deslumbramento que algumas das imagens poderiam provocar ou são abreviadas ou simplesmente não ocorrem graças a essa interferência. Em alguns pontos ela soa bastante incômoda, impedindo que o espectador chegue as próprias conclusões.

    O fato de ser um filme quase imóvel torna a apreciação de Espera um pouco enfadonha. O resultado final é de um produto morno, que mira uma abordagem tocante e hermética e que nem sempre acerta em sua abordagem lírica, se tornando um pouco genérica na maior parte de sua duração.

    https://vimeo.com/287656572

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  • 10ª Semana de Cinema Balanço Curtas e Médias

    10ª Semana de Cinema Balanço Curtas e Médias

    A Semana de Cinema é um festival diferenciado inclusive sobre os formatos que costuma passar em sua programação. Além dos comuns longas metragens e curtas, há também a exibição de médias metragens, formato esse de difícil veiculação até em mostras de cinema. A ideia aqui é comentar um pouco dos principais filmes veiculados durante o festival e que pode ser conferido logo abaixo.

    Perpétuo (Lorran Dias)

    Curta carioca, filmado na Baixada Fluminense, de estética naturalista e que registra pessoas bastante comuns vivendo os seus dias comuns. O cenário de Comendador Soares serve para exemplificar a normalidade do cidadão da baixada e também para embalar um pouco da poesia que Lorran Dias vê no lugar e de fato ha algo muito forte nessa parte da região central fluminense, além disso, uma das atrizes do filme se dedica a cantar e a câmera capta seu momento de brilho, na intimidade de seu lar, sem nenhum espectador que não as crianças que lá habitam. Uma pequena pérola em forma de filme e cantoria, abençoada pelos orixás a quem o curta presta culto.

    A Poeira não quer Sair do Esqueleto (Daniel Santiso e Max William Morais)

    Filme árido, mostra as montanhas e favelas, além de fábricas, a maioria parada. O documentário investiga a intimidade do homem pobre, do trabalhador que não tem muito e que vive nas periferias das cidades. O modo como Morais e Santiso conduzem sua história é bem delicada e quando eles se debruçam sobre a questão da retirada de pessoas da Favela do Esqueleto se torna ainda mais cara a situação.

    BR 3 (Bruno Ribeiro)

    Bruno Ribeiro faz um filme sobre personagens trans que reúne elementos de dança, musical, videoclipe e solidariedade. Apesar de mostrar personagens pobres e em condições de abandono, o drama não se preocupa em mostrar qualquer uma das meninas trans como alguém que se auto comisera, ao contrario, por maiores que sejam suas adversidades, elas são positivas e muito vivas.

    Acúmulo (Gilson Júnior e Sarah Andrade)

    Trabalho absurdo de atuação de Lea Garcia, já tinha tido a oportunidade de ver esse filme em outro festival. Andrade e Júnior trazem um filme extremamente tocante e simples, mostrando uma senhora já bem idosa, que tem fantasias com seu falecido marido. Filme é todo passado em Nilópolis, e resgata a lembrança dos desmemoriados. É uma linda história sobre saudades.

    Antes de Lembrar (Luciana Mazeto e Vinícius Lopes)

    Antes de Lembrar se utiliza de muitas imagens estáticas acompanhados ou de uma narração ou de sons estridentes. O todo do filme é bem chato, na maioria dos momentos, beirando o insuportável.

    Memórias do Subsolo ou o Homem quem Cavou Até Encontrar uma Redoma (Felipe Camilo)

    Feito por alunos das escolas do Ceará, e narrado  de maneira sussurrada, muito íntima e em alguns momentos, difícil de distinguir o que ele fala. É uma manifestação política justa, mas um pouco óbvia.  Vale pelo relato pessoal de apagamento de familiares e de pessoas próximas e o grito de agonia ao final de quem é perseguido, mas o restante pretensioso pesa contra o curta.

    Alma Bandida (Marco Antônio Pereira)

    Exibido também no Festival de Berlim, começa com um rapaz novo cuidando de Cavalos no interior de Minas Gerais. Apesar desse inicio, é um filme urbano que mostra os jovens tendo que lidar com o comum das cidades grandes, incluindo ai a violência típica das cidades grandes.  As partes mais violentas trocam as cenas reais por imagens de um mod de GTA: San Andreas… saída muito engraçada.

    A Chinesa de Riad (Leonardo Amaral e Roberto Cotta)

    Começa com duas pessoas se auto gravando, no Smule, com essas mesmas pessoas cantando, um rapaz branco e uma chinesa que canta demais. A Câmera vertical conduz as conversas do casal, geralmente em tela dividida, mas não vai muito além disso, sendo só outro filme sobre relacionamentos e sobre o nada

    Tea For Two (Júlia Katharine)

    Dirigido pela estrela de Lembro Mais dos Corvos, a atriz e diretora Julia Katharine dá vazão a um projeto pessoa seu carregado de paixão. Tea for Two conta com Gilda Nomacce esplendorosa e mostra uma mulher muito decidida do que quer e que defende as outras que estão em torno de si, incluindo aí a personagem de Katharine, basicamente porque ambas não tem vergonha de liberar sua sexualidade. O roteiro surpreende pela quantidade imensa de camadas e pelos assuntos que sugere mesmo que não se aprofunde muito nessas questões.

    Dias e Dias (Getúlio Ribeiro e Melissa Fremiot)

    Filmado em preto e branco, mira um ideal poético mas soa extremamente artificial e pretensioso. Tenta falar sobre como pessoas comuns vivem de arte, mas não consegue romper a aparência pequena burguesa.

    Nome de Batismo – Alice (Tita Chitunda)

    Filme pernambucano, resgata as memórias de uma menina, chamada Alice que viaja até a Angola para tentar remontar seu passado e descobrir o motivo de se chamar assim, já que teria sido batizada em homenagem a uma parente de mesmo nome. É um filme bem pessoal, e muito tocante, mas é surpreendente porque estava em uma mostra competitiva em um grande festival  exatamente por não fazer tanto sentido para a maior parte das pessoas, isso se explica provavelmente por essa historia ter ecos na história geral do país africano. É filmado de uma maneira bem bela e a narração é bem empregada, fato bem raro aliás.

    Cinema Delas (Carol Vilamaro)

    Cinema Delas é um manifesto sobre a filmografia das mulheres normalmente esquecidas. Entrevista algumas pessoas desconhecidas e conhecidas do cinema, todas mulheres, entre elas as diretoras Carmen LuzAdelia Sampaio, Lucia Murat, a diretora de fotografia Bia Marques, a técnica de som Joice Scavone (uma das melhores entrevistas, aliás), a montadora Fátima Rodrigues, a diretora de arte Celia Maracujá.

    Luz diz que uma vez, em uma viagem a África, ela percebeu o poder que a câmera tinha na mão de mulheres africanas, cineastas ou não, as mulheres se sentiam munidas de uma capacidade que antes não tinham ou não pareciam ter. Essa é só uma das muitas demonstrações e historias que não necessariamente são lamentos no filme.

    Em alguns pontos as mulheres lamentam a falta de respeito que os homens tem por seus trabalhos, seja subestimando suas capacidades ou simplesmente tratando-as como se não fossem profissionais. Outras historias são curiosas, Murat por exemplo fala que Praça Paris foi todo feito por uma equipe de mulheres, enquanto sua filha Julia  já tem uma equipe normalmente cheia de mulheres.

    Scaveman reporta duas historias diferentes e pesadas cada uma a seus modo, a primeira, de que atrizes reclamavam que os os auxiliares de som colocavam microfones de lapela de uma maneira constrangedora. Óbvio que o colocar desses microfones é quase como um toque de um médico, mas o que eles faziam para causas esse incômodo? E outra questão central é que quando as mulheres pedem cachê, normalmente tem que pensar em quanto custará uma babá, e se a profissional for mãe e seu marido também for da área, é meio que tarefa da mulher procurar esse tipo de profissional.

    Cinema Delas acerta demais ao dar voz a essas profissionais, apresentando alternativas e organizações que podem ajudar outras mulheres no ramo áudio visual, além de trazer a memoria bons filmes dirigido por mulheres.

    Guardiões da Memoria (Alberto Alvares)

    Alberto Alvares faz um filme sem apoio, de resgate a questões muito importantes de tribos guaranis que habitam o território que hoje é conhecido como o Rio de Janeiro. O registro das cinco aldeias é muito bem feito, as imagens são orquestradas de maneira simples, emulando boa parte do cotidiano dessas pessoas que só querem viver sem serem perturbadas e que não precisam da interferência de outras pessoas.

    Alvares consegue acertar demais no sentido de resgatar as lembranças dos Tekoa, não só por mostrar suas rezas e os locais sagrados onde elas acontecem, mas também ser ele mesmo familiarizado com essa narrativa, uma vez que sua etnia é Guarani Nhandewa e ele veio da aldeia Porto Lindo no Mato Grossos do Sul. Seu trabalho como professor e tradutor de Guarani serve demais ao seu filme. Alvares é radicado no Rio de Janeiro desde o começo da década e é desse tempo que vem sua dedicação ao audiovisual e curiosamente seu filme tem como principal fator positivo o fato de conseguir expressar as historias através da fala dos próprios biografados. A direção de Alvares é uma co-contadora da historia mas o protagonismo é dos líderes tribais, indiscutivelmente.

    A sensação que fica após a apreciação do filme é de mais curiosidade, poderia facilmente seguir contando mais histórias  deste povo e destas aldeias e fica a expectativa por mais trabalhos de Andrade.

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  • Crítica | Parque Oeste

    Crítica | Parque Oeste

    Documentário de Fabiana Assis que fala sobre a condição de moradia no estado de Goiás e o espinhoso assunto relacionado as ocupações, Parque Oeste começa com um vídeo institucional sobre a capital Goiânia, uma cidade cuidadosamente organizada, ao menos é o que diz na propaganda. A diretora utiliza da ironia para quebrar a quarta parede e aliviar um pouco as tensões antes de começar a se aprofundar mais nas questões nevrálgicas de seu filme.

    O documentário é conduzido e narrado por uma mulher chamada Eronilde Nascimento que foi moradora do antigo parque oeste, que anda tranquilamente pelas ruas da cidade como uma autêntica filha da terra anda sobre seu lugar de origem. A conversa com o restante do povo é bastante franca e toda gente que passa por ela é tão simples quanto a própria. Por mais natural que essa movimentação possa parecer nesse momento, houve uma época que não era exatamente deste jeito.

    Segundo as pessoas entrevistadas, o Parque Oeste servia para desova de corpos e desmanche de carros antes de se tornar o lar de tantas famílias, não mais do que de repente muitas barracas começaram a aparecer, e aquelas terras foram sendo habitadas por milhares de famílias, em um movimento muito parecido com a favelização que tomou algumas das capitais do Brasil. Para muito além de qualquer discussão demográfica o que o filme de Assis tenta estabelecer é o óbvio, mostrando que o que tinha nesses espaço eram vidas habitando o lugar, mas esse entendimento básico não parecia estar no pensamento das autoridades.

    Há uma gravação do então governador Marconi Perillo, intercedendo para que se apressasse a desapropriação dos terrenos, e que essa fosse executada pela Prefeitura. A fala de Perillo faz notar alguns fatos, primeiro o óbvio e total descaso com que ali morava e segundo o complexo de Pôncio Pilatos que tinha, pois queria lavar as mãos e deixar a violência política ocorrer através do poder municipal e não em sua alçada. A discussão que o filme propõe a respeito da moradia como função social se estende para além da teoria e se torna prática.

    As cenas de tiroteio registradas por câmeras amadoras não são tão boas, basicamente por serem gravadas por pessoas sem técnica, no entanto, elas garantem uma veracidade absurda, pois são eventos reais registrados por quem sofre com as ações truculentas. As cenas são dignas dos fronts de guerra, e onde a qualidade das imagens peca em mostrar o mal agouro, seja por falta de qualidade ou por medo do cinegrafista, o som preenche o restante do imaginário de quem assiste e é simplesmente assustador, especialmente porque uma das “cenas” ocorreu às oito da manhã, com boa parte das treze mil pessoas que ali habitavam despertando do sono.

    Os moradores se abrigavam em barricadas, para se proteger do lançamento de bombas, e mais tarde, um ônibus transportava os despejados. Esses eventos formam uma sequência tragicômica e quase teatral, apesar do pragmatismo hiper-realista das ações de garantia da lei e da ordem. Os policias batiam nas mulheres sem qualquer pudor e essa era só uma das muitas violências que ocorreram. Em torno de 3500 moradias  foram derrubadas, com os tratores passando por cima das casas. Os desabrigados e despejados ficavam tão mal que cediam a paranoia e desconfiança até com as marmitas que recebiam do governo, temendo que essas estivessem envenenadas.

    Algumas partes do longa-metragem já foram utilizadas em outro filme de Assis, Real Conquista, um belo curta também de cunho político. Parque Oeste serve não só como continuação dele, mas também como expansão da discussão e temática, tão emocionante quanto outro, causando e ampliando as discussões a respeito de moradia e o direito de ir e vir. Apesar de ter alguns problemas de ritmo, que dispersam um pouco do público, o desfecho é muito bem pontuado por um rap que fala da realidade das desocupações e do povo que sofreu na pele, morrendo, sendo despejado e destituído do direito à moradia.

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